31.3.07

 

O velho-gagá (RPS)

"O jovem mais velho de Portugal". Assim era designado, há uns anos, no Contra-Informação, o dirigente socialista António José Seguro. Pela imagem que dele tinha e por uns escassos contactos mantidos, parecia-me uma designação bem apropriada.
Confirmei a justeza do epíteto, aquando das Legislativas de 2002, nas quais, por razões profissionais, acompanhei a campanha do PS. Foram vários os contactos prévios mantidos antes das três semanas de convivência diária. Seguro revelou-se educado, simpático, disponível e cumpria o seu papel, sem aqueles truques e jogadas baixas muito típicos de dirigentes partidários, principalmente em campanha eleitoral. Mostrava-se, contudo, um velho - nas conversas, na atitude, nas opiniões. Era afável, mas um velho afável como os outros velhos afáveis. E levava-se a sério demais.

Lembro-me de um jantar de campanha, em Braga, numa noite fria. Estava presente Emídio Guerreiro, firme nos seus 102 ou 103 anos. Não se queixou do frio, comeu como um leão, conversou com toda a gente, riu-se, aturou os jornalistas que lhe faziam perguntas. Também conversei e, para além disso, observei longamente Emídio Guerreiro. Pareceu-me filho de Ferro Rodrigues e neto de Seguro.

Com ambições de ser líder do PS, Seguro teve que assitir, impotente, à ascensão do seu rival Sócrates e remeteu-se, então, a um low-profile. À espera de ver chegar a sua hora (que, mesmo que venha a chegar, vai tardar...), puserem-no a estudar propostas de reforma do Parlamento, para que matasse o tempo.
Leio nos jornais que uma das propostas é tornar o edifício da Assembleia da República "totalmente livre de fumo". Não só o plenário - que já o é - mas todo o edifício, impedindo qualquer deputado, jornalista, funcionário, cidadão visitante ou outrém de, por exemplo, fumar um cigarro enquanto caga nas casas de banho de São Bento. Quando assim for, Seguro declarará, decerto, o seu orgulho pelas medidas reformadoras que lançou.
Nasceu velho, foi sempre velho e virou, definitivamente, velho-gagá.

30.3.07

 

O quase

Se os reféns de Teerão fossem americanos, a esta hora, estava o mundo perdido.

29.3.07

 

Remédio... (RPS)

Não há como uma dor forte, um "aperto" sério ou o mal de um próximo para resolver uma crise de Fé.

28.3.07

 

A Certidão de Óbidos

Os jornalistas são uma raça curiosa. Quando o PSR e a UDP desapareceram como partidos para dar lugar ao Bloco de Esquerda, quase ninguém deu por isso. Nem por isso nem pelas fracturazinhas que existem no BE, com a loiríssima excepção da campanha presidencial soarista. Não há pois novidade de um partido à estalada por dentro: nós é que não tomámos atenção.

Quando Portas avançou em Braga para a mão de Monteiro, já sabíamos que os partidos são habitats ainda mais extraordinários que as redacções. Já sabíamos que eles servem para isto, para conspirar, para votar de braço no ar, para dar emprego, para eleger marionetas, vitimizadores e proto-salvadores com o pulso exangue por uma obscura vida de mérito acizentado na academia.

Mas no caso do CDS, pensámos sempre que, lá no fundo, o teatro era mais digno, mais fino, de salão. Em questões morais, desde a fundação do PP – talvez a partir do olhar de Jorge Ferreira para o rabo de uma dançarina de Iran Costa - sempre desconfiámos deles, assim como de quando em vez os finlandeses o fazem relação aos hábitos sexuais dos políticos – algo que deve existir, mas não se pergunta.

Os jornalistas, reafirmo raça estranha, jogaram sempre este jogo. Nunca pisaram a linha de forma oficial. Mas sempre souberam do esfola-gatos que a coisa continha. Não tiveram que entrar na sala de Óbidos para saber que todos se agrediram verbalmente e disso passar certidão. Não precisaram de fazer grandes perguntas para saber que o partido está partido. E não têm grandes dúvidas sobre a poligamia da culpa no processo.

Raça estranha esta que insiste em promover o teatro nos media. Ao menos que dê lucro à casa.

27.3.07

 

O retrato de Barreto (RPS)

Acabei de ver, na RTP, o primeiro episódio do "retrato" de António Barreto sobre Portugal.
Dois pontos negativos. Por um lado, não supreende. Dito de outro modo: não me revelou nada que não soubesse. Em segundo lugar, falta-lhe alguma informação, dados concretos, objectivos. Dizer, por exemplo, "casa-se menos pela Igreja" ou "mais mulheres trabalham hoje fora de casa" é uma informação demasiado genérica. Devia ser acompanhada por gráficos, por inserções de números.
Mas gostei de ver. Vale a pena ver. Quero ver os próximos.
Gostei, especialmente, da locução do próprio Barreto. Pela voz e pela parcimónia nas palavras. Barreto só fala o essencial. Aquele produto televisivo feito por um jornalista teria, seguramente, mais texto.
Gostei também do ritmo do programa. Resultado, decerto, da saturação da TV cheia de ritmo, de palmas, gritos, luzes e efeitos, movimento, "alegria". Ver aquilo foi um descanso para o espírito.

 

Post anti-Rio (RPS)










foto de um artista amador, mas respeitável



Já disse aqui que a vitória de Rui Rio, em 2001, foi a melhor coisa que aconteceu ao Porto em 170 anos. Desde o fim do Cerco da cidade. Não significa, obviamente, que concordo com tudo o que ele e/ou a sua vereação decidem.
Há dias, tive um verdadeiro choque. Atravessando o Jardim do Marquês, deparo-me com a fonte da Praça D. João I !!!
Parece que é assim há longo tempo, mas confesso: não sabia nem nunca tinha reparado, quando passava de automóvel.
Não faz sentido. Compreendo que a fonte, depois das obras de requalificação, tivesse que sair de D. João I. Compreendo - e aplaudo - que fosse colocada noutro sítio, mas, chegados aqui, era necessário algum bom senso: colocavam-na num espaço novo. Sei lá onde, mas na rotunda da Alameda de São Roque ou qualquer coisa do género.
Agora, por a Praça D. João I no meio do Marquês não faz sentido.




26.3.07

 

Televisão - um perigo para a democracia ?

É o título de um polémico livro de Karl Popper, filosofia pura e provocativa, mas que me vem à memória depois do que vi ontem à noite na RTP. Sobre o concurso, vejo agora que meti a minha colherada quando a coisa ainda era respirável. Não espanta. Nada ou pouco espanta em televisão. Mas que ela parece de vez em quando uma coisa perigosa...

25.3.07

 

A primeira do ano já cá canta! (RPS)



 

Previsão de furacão esta noite na Boavista


Se querem gostam de música e querem ouvir um dos mais notáveis revolucionários que andam a tocar planeta, não percam, por favor, Uri Caine esta noite na Casa da Música no Porto. Se isto serve de consolação, este concerto será único em Portugal, uma vez que Uri Caine virá a Lisboa mas a solo, sem a magnífica banda que traz à CDM como se pode juntar jazz, Mozart, África e DJ's.

24.3.07

 

O que é que se bebe ali ?

Deve ser extenuante ser humorista semanal de alto nível em Portugal. Mas há sempre alguém que resiste, sempre alguém que diz “não, vocês têm direito a umas férias”. Foi nisso que os cérebros do CDS-PP pensaram ao propor um conselho nacional armadilhado para Óbidos, uma conferência judicial de paz em Fátima e uma nova reunião familiar, curiosamente marcada para Torres Novas.

Nada pode ser mais hilariante que a boa memória do que se disse por ali. E é nesse sentido que proponho aos senhores conselheiros (porque camaradas são as outras) que elegam o Rato Mickey, proponham de novo um referendo ao Tratado de Maastricht e levem a sério os assuntos do mar, como tão afanosamente têm provado.

É uma agenda ambiciosa, eu sei. Mas ainda assim, poderia ser pior. Bastaria propor, em sede programática, a localização do novo aeroporto de Lisboa numa zona plana cheia de sobreiros. E porque não isentar a CIA de taxas de aeroporto sempre que faça escala prévia nas Lajes em dia de aniversário da guerra no Iraque ? Talvez assim também Manuel João Vieira se inscreva no CDS para cumprir, com sólido denodo e líquido sentido de Estado, o seu sonho viseense.

Um dia, o licor de Portugal será beirão.

23.3.07

 

14 anos, em cuecas, manchete num jornal de referência


Não estou a acreditar...

 

Engenhocas

Não tenho todos os dados para ajuizar o que rodeou a publicação de uma investigação sobre o dossier de licenciatura de José Sócrates, aparentemente concluída quase dez anos antes de este ser eleito primeiro-ministro. Mas tenho a certeza que esta decisão do Público merece ser debatida de forma saudável e aberta.

Com a ressalva anterior, tenho algumas dúvidas sobre as razões técnicas que levaram à sua publicação. A Direcção do Público fala inicialmente em blogues e sobretudo em boatos que o jornal diz não dar à estampa, mas que explica na sua nota editorial. Embora reconheça múltiplos méritos no trabalho, não percebi ainda duas ou três coisas:

- se o Público não considera que o currículo académico é importante para avaliar a competência de alguém, por que quis validar com uma investigação séria o tal boato ( ou post de blogosfera, não sei bem) desencadeado por quem tem exactamente a opinião contrária ?

- E nesse sentido, porque não lançar o debate de facto sobre a relação entre competência e currículo académico ?

- Quando um boato se espalha e chega à blogosfera, deve ser sempre investigado jornalisticamente? Vamos imaginar que o boato se relacionava com considerações de ordem íntima. Será que aí também se aplica a frase da nota editorial que sustenta que não se devem ignorar que os boatos existem “ e que a melhor forma de acabar com eles é confirmá-los ou infirmá-los” ?

Estas dúvidas sustentam-se sobretudo na sensação de que, se há falhas na licenciatura do homem, não percebi bem de que tipo são.

Há folhas que uma secretária não carimbou ? Há pautas forjadas ? Foi beneficiado nas equivalências ? Sócrates foi dispensado de cadeiras ? Pediu para não as fazer ou pagou para isso ? Recompensou a Independente no exercício das suas funções governativas ? Ganhou eleições por isso ?

Pode ser que alguém esclareça isto…

22.3.07

 

Em busca de respostas... (RPS)

O diploma da licenciatura em Engenharia Civil de José Sócrates foi assinado por Luís Arouca ou por Rui Verde?

Quando voltar a ser líder do CDS, Paulo Portas vai manter, na sede do partido, a galeria de retratos dos presidentes?

Tal como o Tribunal de Sintra, que impôs termo de identidade e residência ao dono dos cães que ontem mataram uma senhora na via pública, será que o Conselho de Jurisdição do CDS - "o tribunal do partido" - vai impôr a mesma sanção a Paulo Portas, por causa dos cães-de-fila?

21.3.07

 

Coitadinhos dos bichinhos... (RPS)

Uma mulher morreu em Sintra, atacada por quatro cães.
Não vão faltar, estou certo, os argumentos desculpabilizadores. Da parte de alguns, desculpabilizadores do próprio dono. Da maioria, desculpabilizadores dos bichinhos, coitadinhos, que não têm culpa.
Nestas horas, os amantes dos animais tentam sempre convencer os outros de que a culpa foi de quem ia a passar. De facto, quem a mandou passar lá, àquela hora? Coitadinhos dos bichos... Li que ia para o trabalho. Ia? Metesse baixa! Coitadinhos dos bichos...

No nosso tempo, quem não gosta de bichos é, na melhor das hipóteses, olhado de lado. É visto como um insensível, um verdadeiro filho da puta social. No nosso tempo, filho da puta social é também o fumador. O cidadão que anda por ai com bicharada é que é bom cidadão. Ter bichinhos é não só bem aceite como valorizado. Desde que o proprietário da bicharada não fume, claro, porque, além de tudo, o fumo prejudica os próprios animais, coitadinhos.

Por mim, era cães, gatos, toda a bicharada, mais os donos todos, os amigos dos animais e as associações dos animais e a puta que os pariu!- era tudo abatido a tiro!

19.3.07

 

Estrela Solitária V (RPS)

Nas décadas de 50 e 60, era tradição as grandes equipas brasileiras aproveitarem a paragem das suas competições para fazerem digressões (longas, muitas vezes de dois meses e mais) pela Europa, defrontando variadíssimos clubes europeus.
Na Europa, num tempo muito menos competitivo do que o de hoje, eram jogos muito atractivos, prestigiados e levados a sério. Para os clubes brasileiros, constituiam também uma importante fonte de receita e, claro, o Botafogo, depois de ter Garrincha, fazia-se pagar acima de todos os outros.

Em 1955, na sua primeira digressão europeia, Garrincha protagonizou um episódio memorável, como conta Ruy Castro no seu "Estrela Solitária". Estando o Botafogo a vencer os franceses do Reims por 5-1, o treinador Zezé Moreira, a cinco minutos do final do jogo, mandou os jogadores "prender abola", para se pouparem.
A ideia era trocá-la o mais possível, sem correr riscos, mas Mané Garrincha entendeu de outra forma. "É para prender? Sim, senhor...". Assim que a bola lhe chegou, contam os relatos da época, Mané começou a driblar adversários, sem dar a bola a ninguém, enfiando-a entre as pernas dos adversários, avançando em direcção à baliza contrária e voltando para trás, em direcção à baliza do Botafogo.
Garrincha esteve na posse da bola vários minutos, com o estádio de pé, em aplauso. Os adversários já não tinham forças e, como refere Castro, talvez por se tratar de um jogo amigável, nenhum se terá lembrado de o carregar em falta.

Na sua primeira digressão, Mané tornava-se logo uma lenda na Europa. No plano pessoal, era para ele a primeira viagem ao estrangeiro. O Botafogo passou por países como Espanha, França, Itália, Suíça, Alemanha, Holanda, Bélgica... De acordo com Ruy Castro, os jogadores não tiravam, contudo, muito partido cultural e de lazer dessas viagens. Em primeiro lugar, porque os horários eram sempre apertados e não havia grande tempo para passeios e visitas. Depois, porque a generalidade dos jogadores da época não tinha, também, preparação e sensibilidade para tal. Mané Garrincha, então, nem pensar. Refere Ruy Castro que, de regresso ao Brasil, Mané identificava Roma como "a cidade onde seu Zezé escorregou"...

18.3.07

 

Coisas que nos dizem a meio da noite (RPS)

"Bowie é o Pai... Iggy Pop o Filho... E Peter Murphy é o Espírito Santo. Mai'nada!"

 

Macedo e Nunes (RPS)

É conhecida a polémica à volta da continuidade e do salário do Director Geral dos Impostos, Paulo Macedo. Dizem todos - ou praticamente todos - que fez um trabalho excelente, incomparável com o dos antecessores, mas a legislação impede que, num próximo mandato, lhe seja pago o salário chorudo que aufere.
Acho que fazer um trabalho excelente é a obrigação mínima de um Director Geral. Em vez de se elogiar este, dever-se-ia antes questionar os anteriores. Em todo o caso, não me choca que seja bem pago, mas acho que Paulo Macedo não é caso único. Na ASAE, o actual presidente, António Nunes, está a fazer um trabalho incomparável ao dos antecessores nos organismos que precederam a ASAE. Na lógica do que se passa nos Impostos, Nunes merecia um salário idêntico ao de Macedo.

14.3.07

 

Perseguidos (RPS)

Por acção do Estado e do seu autoritarismo, ou por acção da própria sociedade, ou por conjugação das duas, há hoje em Portugal três grupos de cidadãos alvo de feroz perseguição: o dos funcionários públicos, o dos fumadores e o dos descarregam cd's e filmes da Internet.
Ainda me queixo... Pobre de quem está nos três grupos... Em dois deles que seja...

 

Notas soltas do país do Primeiro-ministro Sócrates (RPS)

Parece que o Primeiro-Ministro Sócrates se prepara para despachar directamente com o chefe máximo de todas as polícias. Ouvi o insuspeito Fernando Rosas afirmar que Oliveira Salazar recusou, no seu tempo, um projecto semelhante. Tê-lo-á achado demasiado perigoso, por ser vulnerável a abusos.

Pelo que li em alguns jornais, concluo que fontes da residência oficial de São Bento passaram a informação de que o Primeiro-ministro Sócrates chegou atrasado ao recente Conselho Europeu pelo facto de o Falcon em que viajaria para Bruxelas ter ido primeiro ao Funchal buscar um coração para um transplante.
Que humanismo o deste homem!

Marques Mendes solicitou um audiência ao Presidente da República para falar sobre a Ota. Ontem à tarde, questionado pelos jornalistas, o PR disse que concedia a audiência e deu a previsível explicação formal. O que fez, à noite, Mário Crespo, na SIC-Notícias? Convidou o secretário de estado das Obras Públicas que esteve 10 ou 15 minutos a explicar as excelências do projecto.

11.3.07

 

Castrações (RPS)

É-me insuportável o contacto físico com animais domésticos.
Este facto tem-me valido, ao logo da vida, as críticas mais duras e as acusações mais injustas.
Seria, contudo, incapaz de mandar capar um gato. Aliás, seria incapaz de mandar capar o que quer que fosse ou quem quer que fosse.
Mas há pessoas que adoram animais e capam-nos!

9.3.07

 

Ao que isto chegou

O ser humano não se cansa dessa fascinante empresa de meter bolas em buracos com recurso a ajuda externa. Conhecemos as manhas dos desportos mais tradicionais, alguns deles quase tão velhos como a própria existência. Mas confesso que estava longe de imaginar um surto de doping no bilhar (seis casos em 2006). E a explicação que os jogadores, geralmente já entradotes, usam muitos medicamentos para a tensão e para o coração é verdadeiramente extraordinária...

8.3.07

 

OFF

Se há coisas que o Google não tem é grande memória. É por isso que quando leio sobre as recentes mudanças nalguns dos principais jornais portugueses só me pergunto quantas voltas tem dado o Mundo desde que inventaram o off the record e a publicidade estática nos estádios.

Acho que, de certa forma, o Portugal que o futebol criou - e que parece apagar séculos em soundbytes - está bem representado neste lugar para bons entendedores. É toda uma lição sobre o tipo de gente que de facto nos governa. Não que nos domina, quero acreditar

E não sei sequer se estou a ser irónico...

 

Intolerância (RPS)

Entendo perfeitamente que as pessoas falhem. Não tolero que as máquinas falhem.

6.3.07

 

Estrela Solitária IV (RPS)

No início da temporada de 1955, o Botafogo apostou forte e tomou uma série de medidas de renovação do plantel, ao mesmo tempo que o treinador Zezé Moreira definia novos métodos de trabalho e regras mais apertadas.
Entre outras coisas, o treinador garantiu aos elementos da sua equipa técnica que iria por Garrincha a driblar menos, fazendo com que jogasse mais para a equipa. Mané, sistematicamente, depois de driblar um adversário, renunciava a progredir no terreno, esperando driblar de novo o seu oponente.
Conta Ruy Castro, no "Estrela Solitária", que, no final de um treino, Zezé Moreira pegou numa cadeira, colocou-a no "bico" da grande-área e chamou Mané:
- Faça de conta que esta cadeira é o seu adversário. Eu quero que você passe por ele e, logo depois disso, não tendo mais ninguém pela frente, cruze directo para a área, ouviu?
Mané respondeu afirmativamente. Zezé deu, então, a instrução:
- Pegue na bola, venha com ela, passe pela cadeira e cruze.
Garrincha veio com a bola, enfiou-a entre as pernas da cadeira, pegando-a do outro lado.
Zezé Moreira abandonou o exercício.

5.3.07

 

Um cardíaco Galrinho

Não foi decerto o melhor guarda-redes português de sempre. Aliás, essas classificações são sempre de desconfiar. Há gente que parece querer engolir à viva força uma enciclopédia de futebol para fingir poder avaliar décadas infindáveis de jogo jogado e seus artistas. Mas tenho muitas dúvidas que o que se tem dito agora de Bento, na hora da sua morte, não seja justo.

O meu melhor amigo da primária era sportinguista. Vibrava com Oliveira, Manuel Fernandes, Jordão. E dizia sempre que o Damas era melhor que Bento. Uma mão cheia de cronistas - alguns deles dessa malfadada "imprensa lisboeta" que tanto persegue tantos - já escreveram o essencial. Esteticamente Damas era um portentoso guardião, mas na raça do jogo, na voz de comando, na coragem e loucura que pode determinar um lance vi poucos como Manuel Galrinho Bento. Ele foi durante anos o paradigma do guarda-redes português típico - pequeno, ágil e trabalhador.

As pragas que lhe roguei por uns frangos inacreditáveis (ai Liverpool...) não mancham a admiração tremenda que sempre tive por um tipo que encarnava (como fica bem o verbo) uma coisa fundamental para um adepto que se preze: a dignidade e o brio de vestir a camisola do Benfica.


Alma mista de Ribatejo e Margem Sul, esse rijo Bento merece que os mais novos saibam quem foi o último grande senhor da baliza da selecção nacional antes de chegar Vitor Baía. Por Moscovo, por Saltillo, pela Luz, por tanta coisa assim, Galrinho só podia ter morrido traído pelo coração a que sempre deu voz e luvas.

4.3.07

 

O que é feito?... (RPS)

O que é feito de Heitor Carvalheiras?

2.3.07

 

Bento e os magiares... (RPS)

Morreu Bento. Paz à sua alma. Parecia ser um tipo simples e genuíno. Beneficiário, enquanto futebolista do Benfica, dos favores e protecção da imprensa desportiva lisboeta, a verdade é que não valeu metade do que se disse dele em vida. Não valeu um décimo do que se diz agora que está morto. Não há como morrer para sermos bem tratados e reconhecidos.

Bento foi, contudo, um verdadeiro atleta. Mas dele, o que mais recordo é a sua curta experiência como comentador televisivo, no Domingo Desportivo, no início dos anos 90.
Não foi na primeira aparição, mas foi na terceira ou na quarta. Estava-se em vésperas de um jogo qualquer de uns dezasseis-avos de final da Taça das Taças ou da Taça UEFA. Um Benfica em crise ia defrontar uma equipa húngara de segunda linha. Salvo erro, o Vasas de Gyor. Numa reportagem feita à medida dos interesses do Benfica, exaltava-se o passado glorioso do futebol húngaro, sublinhava-se insistentemente o valor da equipa adversária. Que ninguém conhecia... Prevendo-se a eliminação, cozinhava-se a ideia de que o Benfica, a cair, cairia perante um colosso.

Bento insurgiu-se. Puxando pelos seus galões de jogador de um Benfica vencedor, disse, sem papas na língua, que não havia adversários fáceis, sim senhor, mas um verdadeiro Benfica tinha de ganhar e seguir em frente na prova e que se deixassem de desculpas antecipadas. Tinha razão o pobre Bento. E, então, sentenciou, definitivo: ”O futebol húngaro também já não é o que era, já não é aquele futebol mágico, a que chamavam magiar. Os magiares já acabaram há muito tempo”.
Bento não mais voltou ao Domingo Desportivo.

 

O fim da contestação ao sr. Ministro da Saúde (RPS)

Acossado pela contestação à reforma das urgencias, o sr. Ministro da Saúde fez aprovar legislação que consagra a soez persguição aos fumadores. Fez bem. É medida que agrada ao main-stream, ao cidadão de hoje. Moderno. Saudável. Europeu. Vão achar Correia de Campos corajoso, visionário.
Acabou a polémica das urgências.

1.3.07

 

Estrela solitária III (RPS)

Como já disse, a biografia de Garrincha escrita por Ruy Castro recentra a verdade das histórias que se contam sobre o jogador. Para mim, repito, o melhor futebolista de todos os tempos.
Diz-se - sempre se disse, sempre se contou - que Garrincha se referia a todos os seus marcadores directos como "o João". Qualquer defesa-esquerdo era o João. Mentira, diz Castro. Esta foi uma história inventada pelo jornalista e cronista desportivo Sandro Moreyra, conhecido adepto do Botafogo, que cedo percebeu a qualidade de Mané e o seu potencial para se tornar uma lenda. Moreyra inventou essa história de Mané como terá inventado outras. Mário Filho, o mais conceituado jornalista desportivo do Brasil desse tempo (o Maracaná não se chama Maracaná, mas sim Estádio Mário Filho...), delirou com a história "do João" e contou-a, ampliou-a e deu-lhe o crédito que não merecia.

Já verdadeiro é o facto de Garrincha não saber, em muitas ocasiões, quem era a equipa adversária. Ou não sabia mesmo sequer o nome ou, então, sabia, mas era como se não soubesse. Ouvir sobre o adversário a designação "Itália" ou "Venezuela", "Real Madrid" ou "Belenenses" era para Garrincha indiferente. Não tinha noção dessas coisas. Nesse plano era um inconsciente, mas tirou disso vantagem: índio em estado puro, Mané queria apenas jogar à bola. Tensão, nervoso miudinho, stress, medo cénico, pânico de falhar são coisas que nunca o afectaram em competição. Talvez só no ocaso da carreira, quando a saudável dependência da bola tinha sido substituída pelo mortífera dependência do álcool.

Após a meia-final contra a França, no Mundial de 58, na Suécia, Mané perguntou, ainda no vestiário, ao amigo Nilton Santos, com quem jogariam a seguir. Nilton disse-lhe que era a Suécia e seria o último jogo. Mané Garrincha:
- Já? Mas que torneio mixuruca! O campeonato carioca é muito melhor porque tem turno e returno (duas voltas)...

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