19.3.07

 

Estrela Solitária V (RPS)

Nas décadas de 50 e 60, era tradição as grandes equipas brasileiras aproveitarem a paragem das suas competições para fazerem digressões (longas, muitas vezes de dois meses e mais) pela Europa, defrontando variadíssimos clubes europeus.
Na Europa, num tempo muito menos competitivo do que o de hoje, eram jogos muito atractivos, prestigiados e levados a sério. Para os clubes brasileiros, constituiam também uma importante fonte de receita e, claro, o Botafogo, depois de ter Garrincha, fazia-se pagar acima de todos os outros.

Em 1955, na sua primeira digressão europeia, Garrincha protagonizou um episódio memorável, como conta Ruy Castro no seu "Estrela Solitária". Estando o Botafogo a vencer os franceses do Reims por 5-1, o treinador Zezé Moreira, a cinco minutos do final do jogo, mandou os jogadores "prender abola", para se pouparem.
A ideia era trocá-la o mais possível, sem correr riscos, mas Mané Garrincha entendeu de outra forma. "É para prender? Sim, senhor...". Assim que a bola lhe chegou, contam os relatos da época, Mané começou a driblar adversários, sem dar a bola a ninguém, enfiando-a entre as pernas dos adversários, avançando em direcção à baliza contrária e voltando para trás, em direcção à baliza do Botafogo.
Garrincha esteve na posse da bola vários minutos, com o estádio de pé, em aplauso. Os adversários já não tinham forças e, como refere Castro, talvez por se tratar de um jogo amigável, nenhum se terá lembrado de o carregar em falta.

Na sua primeira digressão, Mané tornava-se logo uma lenda na Europa. No plano pessoal, era para ele a primeira viagem ao estrangeiro. O Botafogo passou por países como Espanha, França, Itália, Suíça, Alemanha, Holanda, Bélgica... De acordo com Ruy Castro, os jogadores não tiravam, contudo, muito partido cultural e de lazer dessas viagens. Em primeiro lugar, porque os horários eram sempre apertados e não havia grande tempo para passeios e visitas. Depois, porque a generalidade dos jogadores da época não tinha, também, preparação e sensibilidade para tal. Mané Garrincha, então, nem pensar. Refere Ruy Castro que, de regresso ao Brasil, Mané identificava Roma como "a cidade onde seu Zezé escorregou"...

Comments:
Insuportável quem? Eu ou a música? Ambos os dois em simultâneo e ao mesmo tempo?!!! Estou, como a Nelly Furtado, assim que meio "confusada"...
 
maio de 2007????

(nem li o post, confesso; total correria, hoje, e agora batendo cabeça, de sono, mas fiquei impressionada com o fuso horário; aqui ainda estamos em 19 de março)

:o))))

beijos, rps!
 
oh, pááá, que coisa, que alma pura!!

lindo!!
 
Vamos à Festa

Estarei no Maracanã com o povo, próximo dia 19 de Dezembro, participando da festa de Garrincha, o jogo beneficiente e de despedida do jogador. Já vejo a felicidade da multidão, chamada a diluir-se num só monumental coração – ela que se divide em facções apaixonadas quando o jogo é para valer. Quantas e quantas alegrias nos deu esse homem de pernas tortas cujo nome outra vez gritaremos em uníssono?
Garrincha e Pelé apareceram quase ao mesmo tempo. Na Suécia, os dois se firmaram na admiração mundial. Em seguida, cada qual correu o seu páreo individual, tudo dando certo para Pelé e quase tudo dando errado para Garrincha. Só no gramado é que não havia dúvida: nunca mais veremos algo semelhante a Garrincha, mesmo que uma minoria defenda Pelé como o melhor de todos os tempos.
Ele, Garrincha, desorganizava sistemas e desmoralizava a própria ideia do futebol.
Quando tinha a bola no pé, e contemplava os adversários enfileirados, e literalmente parava o tempo – o estádio inteiro fascinado pela sua imobilidade – sabiam todos que ia acontecer uma única coisa, a qual consistiria no avanço irresistível de Garrincha a caminho do gol. Os adversários estavam ali, um atrás do outro, atentos, dispostos a derubá-lo de qualquer maneira, mas já se sentiam derrotados. Essa arte de parar o jogo, impondo ao cronômetro a sua solidão mágica, é o que torna Garrincha incomparável; de repente, zás – la ia ele, sempre pelo mesmo caminho, salvo por Deus das alternativas do tranco e do tropeção. E pimba! Lá da linha do córner enfiava um golo olímpico.
Era um atleta chapliniano. Tinha as pernas grotescamente entortadas, quase á maneira da letra xis. Vivia num território exíguo, voluntariamente resignado à ponta direita. Oferecia a bola aos zagueiros do outro time, distanciando-se dela e esperando que um deles a alcançasse. Parecia um toureiro. A chuteira do adversário chegava a poucos centímetros da bola – e olé! – a bola já não estava mais ali. Nem Garrincha. A multidão rolava de rir.
Tinha tendência a engordar, por viver comendo mariola, e saltava do trem em movimento, sem consciência do valor que tinham as suas pernas. Queria ser pai de um menino e acabou fazendo oito meninas. Quando lhe disseram que era campeão do mundo na Suécia, espantou-se: “Ué! Esse campeonato só tem um turno?”. E no Chile carregou nos ombros a imensa responsabilidade de ser Garrincha e também Pelé. Alguém na ocasião o impelia: alguém cuja voz negra enrouquecia à maneira de Louis Armstrong e que cantava: “Não tem Pele, mas tem Mané… Garrincha-chá-chá!”. Era Elza Soares, antiga favelada, mãe solteira de muitos filhos. Começou assim uma das mais belas histórias de amor de que se tem notícia.
Veio finalmente o declínio e Garrincha caiu no ostracismo. Um dia anunciaram que entraria no Maracanã com a camisa do Flamengo, essa bandeira feita de suor e esperança. As multidões suburbanas enlouqueceram, foram destruídos os portões do Maracanã. Já se sabia que aquele herói era uma sombra do ídolo de outrora, mas se sentia a necessidade, a obrigação elementar de lhe assegurar uma aposentadoria confortável.
Isso vai ser feito agora. Antes tarde que nunca. Não se pode tratar Garrincha como um jogador de futebol qualquer. Ele foi mantido em campo, no Chile, por interferência do então Primeiro-Ministro do nosso regime parlamentarista. Era ele, então, o Brasil, era por nós e connosco que estava driblando e vencendo. Em seus negócios particulares, viu-se pobre como no início. Mas as alegrias que nos deu, e que evocamos com prazer, não têm preço. Vamos à festa, vamos fazer-lhe uma grande festa com Pelé e Amarildo.

José Carlos Oliveira CARLINHOS OLIVEIRA
Coluna no Jornal do Brasil de 18-11-1973
 
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