15.8.08

 

Sofá olímpico VIII (RPS)

Mandei o Michel Phelps dar banho ao cão. O gajo estava a tornar-se chato de mais, sempre a insistir para que competisse com ele. Disse-lhe que não contasse comigo para o festim das oito medalhas. Não, não seria à minha custa. O gajo deve ser bicha - está só a pensar em medalhas, em correr, em treinar, tendo ali tantas nadadoras com aqueles braços enormes para nos abraçar, enquanto lhes acariciamos aqueles fantásticos ombros e os músculos tão bem desenhados nas costas.
Os meus olhos captaram, subitamente, a mancha verde-amarela. Eram as nadadoras da Austrália. Caminhei na contra-mão para que me vissem, até que ouvi o gritinho da Stephanie Rice, como se tivesse olhado para o placard e verificado que tinha batido mais um record do mundo. Largou do grupo, a correr para mim. Se tivesse algum dúvida, tê-la-ia perdido ali: ela também não esquecera Atenas e aqueles 400 estilos, iniciados de bruços, que fizemos juntos no apartameno da aldeia olímpica. "Leva-me daqui para fora, vamos", disse ela, dando-me a mão. "O carro está um bocado longe", avisei, remoendo ódio contra os seguranças chineses que não deixavam passar ninguém.
Estuguei o passo. Fazer aquela caminhada expunha-me e não queria por nada que a Federica Pellegrini me visse. Claro que gostava de repetir as nossas performances dos Europeus de Eindhoven, em Março deste ano, mas, ali em Pequim, tinha que optar e fi-lo certo de que será muito mais acessível ir aos próximos Europeus do que aos campeonatos da Oceânia.
Puxando-me o braço, travou-me a caminhada, voltou a beijar-me e disse: "Tenho uma surpresa para ti". Fiquei algo incomodado, não gosto de surpresas, deixam-me inseguro. Ela ria-se e, subitamente, vinda de não sei onde, aparece-me a Federica à frente. Abraçou-me e beijou-me - beijou um morto, pois fiquei petrificado - e, de seguida, prega ganda chocho à Steph. Riram, divertidas. "Desta vez, vais fazer uma estafeta", disse uma delas e só consegui balbuciar que numa estafeta tinham que ser quatro. Que não, alegaram, "fazes percurso duplo".
Mesmo com elas apranchadas a mim, estuguei de novo o passo, de modo a não ser visto por nenhum dos outros. Seria embaraçoso apanharem-me naquela circunstância. É que, de repente, estavam lá todos: Zekez e Funes ouviam, entediados, Arlindo do Rêgo a ler-lhes o Eclesiastes, Privada e Jorge C. debatiam, com empenho, um tema sem interesse, Patrícia M. fazia um discurso virulento contra o regime chinês, Mcjaku lia os "Cahiers du Cinéma" ou algo do género, Miss Woab, acompanhada de várias amigas, carregava uns cartazes para exibir numa vigília de protesto contra o facto das ginastas não puderem competir em argolas e no cavalo com arções e Everything trepava para o prémio da montanha, na sua bike, levantado do selim, com os glúteos empinados no fatinho de licra.
Apesar de ainda ténue, a luz do dia feriu-me os olhos estremunhados. A tv mostrava as habituais apáticas imagens de uma prova de vela com pouco vento. A custo, com dores nas costas e no pescoço, arrastei-me, de novo, do sofá para a cama. Felizmente, era fim-de-semana. Nem me preocupei em ver as horas.

Comments:
RPS no seu melhor: um inteiro post sem nenhuma boca ao SLB, mais o talento literário que tem de sobra e exibe quando quer, talvez um bocado superior ao seu fôlego como nadador estafeta duplo (mas... quem sabe?...). Pérfido pormenor: ouvir o Arlindo a recitar o Ecclesiastes nas suas episódicas crises de melancolia é uma experiência traumatizante. Pior do que isso só mesmo a leitura dos Cahiers du cinéma.
 
bem, estou a ver que o único que se está a divertir sou eu!
 
Até que enfim um post!
 
Argolas! Argolas! Argolas!
 
rps: Adorei este post!
 
Por que é que eu não estou com o Mcjaku? Eu queria que Mcjaku me estvesse a ler 'Cahiers du Cinéma', não quero cá conversas com o panleiro do Privada!

RPS, fico muito satisfeito - um pouco emocionado, diria até - que andes a sonhar comigo, mas desconfio. Parece que não é só a mim que o sol está a fazer mal.
 
cale-se seu desidratado, voce diz isso porque sabe que todos sabem que voce me forçou a beija-lo nos labios.

RPS faltou o humor nuclear, mas está fixe, fico enternecido.

Um abraço (sem malicia)
 
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