16.9.07

 

Só pode piorar (RPS)

Não suporto o hino nacional. Detesto aquela sonoridade bafienta de marcha militar e, quando atento na letra, envergonho-me. Mas tem de haver um hino, entendo isso. Bem fazem os espanhóis que escolheram um hino, horroroso, é certo, mas sem letra. Se tem, nunca a ouvi cantada. Deveríamos fazer o mesmo - só ouvir a música custaria menos.

A generalidade dos portugueses, todavia, adora o hino.
Os portugueses não são especialmente patriotas. São, contudo, patrioteiros. Ou seja, patriotas balofos. O "portuga" médio, no intervalo para café, diz aos colegas de trabalho "quem me dera ser espanhol... se fossemos, vivíamos muito melhor, estavamos cheios de dinheiro" ou queixar-se, junto dos amigos, de que "este país é uma tristeza", sendo que "este país" são sempre os outros.
Ao mesmo tempo, ao primeiro acorde de violino, ao primeiro esguicho sentimental sobre a pátria e a portugalidade, o português médio sente muito orgulho no país.
O português médio sonha ser espanhol e está "farto deste país", mas, sem pensar na contradição, adora o hino nacional. E, claro, adora ver as selecções nacionais perfiladas num relvado ou num pavilhão a cantar o hino.

Mesmo antes de Scolari, os jogadores da selecção de futebol começaram a ouvir o hino alinhados de mãos dadas ou abraçados. O "portuga" médio adorou.
Agora, contudo, entrou em campo a selecção de râguebi. Jovens de boas famílias, bem relacionados nos centros de poder e "opinion-makers", cairam no goto da imprensa e de muita gente. Acresce que, sendo amadores e estando o futebol e os futebolistas, apesar da sua popularidade, algo mal vistos, à selecção de râguebi foi associada uma aura de superioridade moral. E, sendo amadores, o português médio não tem motivo para, lá no fundo, lhes invejar os milhões como acontece com o Cristiano Ronaldo e o Figo.

Foi neste "caldo" que a generalidade das pessoas delirou com o modo como os jogadores da selecção de râguebi ouviram e cantaram o hino nos jogos do Mundial. Eles decidiram urrar a letra do hino abraçados, com espamos sucessivos e um facies de doentes psiquiátricos em crise violenta. A generalidade dos portugueses viu, contudo, naquele entremez, naquele espectáculo animalesco mal encenado um sinal supremo de patriotismo.

E, sendo assim, isto só pode piorar. Como já nos ensinou Eça (na transcrição que deixo abaixo) o verdadeiro "portuga" não admite que alguém ponha em causa o seu patriotismo. Assim, depois do espectáculo dos "lobos", preparemo-nos para ver mais tristes espectáculos do género.


(...) Dâmaso levou as mãos á cabeça. Uma tourada! Então o sr. Afonso da Maia preferia touros a corridas de cavalos? O sr. Afonso da Maia, um inglês!...
- Um simples beirão, sr. Salcede, um simples beirão, e que faz gosto n'isso (...) Mas sabe o sr. Salcede qual é a vantagem da toirada? É ser uma grande escola de força, de coragem e de destreza... Em Portugal não ha instituição que tenha uma importancia igual à tourada de curiosos. (...)
O marquês entusiasmado bateu as palmas. Aquilo é que era falar! Aquilo é que era dar a filosofia do toiro! Está claro que a tourada era uma grande educação física! E havia imbecis que falavam em acabar com os touros! Oh, estupidos, acabais então com a coragem portuguesa!...
(...)
Craft, do canto do sofá, onde Carlos se fora sentar e lhe falava baixo, respondeu, convencido:
- O que, o touro? Está claro! o touro devia ser n'este pais como o ensino é lá fora: gratuito e obrigatorio.
Dâmaso no entanto jurava a Afonso compenetradamente que gostava tambem muito de touros. Ah, lá n'essas cousas de patriotismo ninguem lhe levava a palma...

Comments:
estás no teu direito de ñ querer ver a versão portuguesa dos sketches...

mas tb te digo que considero isso o típico "ser português", que desvaloriza tudo o que por cá se faz.

eu vou, ñ plos sketches, plo texto, mas plos actores que, ant a mim, são geniais!

;)
 
refiro-me aos nossos, claro!
 
Brilhante! Subscrevo tudo.
 
Belíssimo post. Nem precisava do Damasozinho para lhe dar valor. Em questão de patrioteirismo, bastaria ver os últimos chefes de governo, que o deitaram para trás das costas ao chamamento das "mais bem cotadas ligas estrangeiras" (excepto no caso do bobo-mor que não teve clube estrangeiro que lhe pegasse)
 
olé!
(...)
Entram guizos chocas e capotes
e mantilhas pretas
entram espadas chifres e derrotes
e alguns poetas
entram bravos cravos e dichotes
porque tudo o mais
são tretas.

Entram vacas depois dos forcados
que não pegam nada.
Soam brados e olés dos nabos
que não pagam nada
e só ficam os peões de brega
cuja profissão
não pega.
(...)
Nós vamos pegar o mundo
pelos cornos da desgraça
e fazermos da tristeza
graça.

(...)

De repente lembrei-me desta música!
 
A grande maioria das pessoas que expressam tamanha aversão pelo hino "A Portuguesa" (e não o digo porque gosto especialmente do nosso ou de qualquer outro símbolo da nação) costumam adorar "La Marseillaise".

Vá-se lá entender! O nosso patriotismo é parolo, o dos outros é motivo de orgulho.

Eça aí, não escapa! Nada como um cházinho inglês para trazer alguma classe à pobre aristocracia portuga!
 
O Post está muito bem escrito, o excerto de "Os Maias" veio mesmo a calhar, o que ficou dito sobre a selecção de Rugby e o modo histriónico como entoam o hino até subscrevo mas... o comentário do Taxi Driver também acerta em cheio hem? Anda por aí uma pequena epidemia de paixão pelo snobeira britânico...
 
Fado, essa pura expressão portuguesa... este é falado - e bem!
Tem graça que pensei nisto hoje ao almoço, quando o meu marido se emocionou vendo os Lobos a cantar o hino e disse "Isto enche-me de orgulho!"
Como gosto muito dele, não lhe dei grande resposta... mas fiquei algo constrangida... Porque afinal esses rapazes são todos meninos bem que, à falta de um bom "aka", cantam o hino da maneira que tão bem retratou no post.
Assim, subscrevo na totalidade esta opinião, com uma breve excepção: o português médio. O que é o "português médio"?
Eu gosto do hino, mas realmente a letra já n faz muito sentido... sou patriota, mas sofro todos os dias ao pensar que podíamos ser tão bons ou melhores que os espanhóis... nos momentos de maior amargura, confesso que já pensei que seria preferível ser espanhola! Mas ainda assim... para sempre Portuguesa!

Beijinhos, voltarei sempre.
 
É normal que as pessoas se sintam orgulhosas ao verem os "seus" jogadores cantarem de forma emocionada o nosso hino. Eu enquadro-me nesse grupo. Talvez mais moderado mas enquadro-me definitivamente. E nunca me ouviu dizer que em Espanha estaria melhor. Para que não restem dúvidas, detesto Espanha. Como eu, acredite que há vários.

E peço desculpa mas parece-me um texto pretencioso. Não pela elevação intelectual sempre reclamada pelos bloggers mas por ridicularizar quem gosta, ainda que inconscientemente, de um dos simbolos da nação.
 
pá, tou contigo a 100%.
 
Eu não gosto da bandeira!! Mudava-a
 
Concordo em tudo com o teu post.
E já estou farta de ouvir falar bem de espanha, e que deviamos ser espanhóis.
Se os portugueses direccionassem a energia que gastam nas queixinhas para fazer evoluir o país estavamos tão bem ou melhor que Espanha.
Que raio, sempre à espera de um D. Sebastião que nos venha salvar. Nem que seja espanhol...
O hino é... glorioso. Se calhar tem é pouco o a ver com o povo que o canta, pelo menos nos tempos que correm...
 
Eles não urraram, apenas escolheram o tom errado para cantar o hino, pareciam tenores!

Eu cá gosto do hino, descreve bem a bravura, a força e a importância da nossa nação outrora.
Acho que não faria sentido mudá-lo.
 
Ai que isto cheira a cor verde...
Boa semana
 
eu achei piada a forma como cantaram o hino, sou portuguesa de segunda por isso? poupem-me!
 
ao menos eu não estou só! não gosto de hinos, todos belicosos e com a mania de que cada país é um bando de mafarricos sempre acesos para a guerra. não gosto de matulões a "escolher tons errados para cantar", ou seja, a berrar seja que música for. também não gosto da bandeira, apesar de eu ser republicana.
e sim, estávamos melhor se fossemos espanhóis - mas isso também não escondo: sou iberista.
se calhar gostar de pimba e churrascadas ao ritmo do garrafão permite-me continuar na média...
 
texto interessante!
 
Não concordo nada.
Mas deu-me saudades do Vilaça.
 
Ora vamos lá ver: os hinos ! Pois é RPS a letra é um bocado bacoca, mas é a nossa. E o que tu disseste quando Alçada Baptista quis mudar a letra ! E os jogadores espanhois que fizeram um petição a pedir uma letra para cantarem, porque se sentem diminuídos face aos adversários? A forma como os Lobos cantam A Portuguesa é apenas uma forma de motivação e eventual intimidação. Um haka à nosa moda...
 
Mcjaku: que disse eu sobre a proposta do Alçada?
 
Gosto do nosso Hino e gosto de saber a letra
Não gostava de ser espanhola
Gosto de ter orgulho em ser Portuguesa
Gosto da atitude dos "Lobos"
Não gosto, algumas vezes, da nossa Selecção de futebol
Gosto, algumas vezes, da nossa Selecção de futebol
Não gosto de touradas
Gosto de Eça
Portuga média ? E porque não ?
:):)
 
Triste é este post.
 
O respeito pela figura paternalista de Alçada baptista impede-me de reproduzir os adjectivos com que o mimoseate. Foi num 10 de Junho, lembras-te ?
 
Não me lembro.
Hoje, essa proposta parece-me apatetada, mas não capaz de me revoltar.
O que eu acho hoje é que o hino devia ser só tocado. Este, eventualmente, ou uma nova melodia. Embora a substituição viesse porporcionar muito debate estéril...
 
Concordo, no essencial, consigo - no que é o portuga médio. Quanto às cantorias do hino nas competições internacionais são uma prova que só sabemos misturar coisas. De resto nem o Hino, nem o patriotismos em si me fazem confusão. Cada um gosta do país como quiser: nem tanto ao mar, nem tanto à terra. É o que não sabemos ser - equilibrados. Repare como Granel disse logo que odiava espanhóis. «Ah, lá n'essas cousas de patriotismo ninguem lhe levava a palma...»

Disse-se por aí que o Eça também era um snobzinho. Mas se se lembrarem bem, na mesma obra há uma corrida de cavalos que corre mal. E corre mal porque se tentou copiar os ingleses. Eça também falava nisso, nas tentativas de estrangeirização que eram ridículas. O que ele criticava no geral era esta forma pouco racional de existir, do 8 e do 80.

Mas também não me parece que seja preciso encher logo de imbecil quem canta o hino com vontade. Que cantem! Quem canta seus males espanta!
 
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