12.9.07

 

Cenas da vida real (RPS)

O processo tinha sido difícil. Não havia filhos nem outros factores que pudessem complicar, mas as partes tinham-se guerreado por longo tempo. Numa atmosfera algo pesada, o caso chegava, contudo, ao fim.
Já perto do final da conferência, o meu amigo, no cumprimento do seu dever profissional, avisa-a:
- A senhora vai ter que retirar do seu nome o apelido do seu marido… O nome de casada…
O meu amigo nota o ar de surpresa dela e o risinho trocista dele e encontra, então, naquela tarefa chata e burocrática, espaço para se divertir um pouco. O divertimento passa por ter sucessivas intervenções que vão provocando, alternadamente, mudanças de disposição nos dois.
- Mas eu não sabia!... – diz ela.
- Eu sabia… - diz ele com ar de grande satisfação.
- Pois, mas é o que diz a lei… – sentencia o meu amigo, questionando-a, a seguir, sobre as razões dela em querer manter o nome do ex que, declaradamente, considera um estafermo.
- É por razões da minha actividade profissional. Convém-me manter o nome que uso há anos. Mas, se não pode ser…
Ela parece conformada e ele quase estoura de gozo, O meu amigo diz, então:
- Bom… A lei abre uma possibilidade…
Reacende-se a esperança nela, enquanto ele contrai a face…
- Mas como?... – pergunta ela…
- O seu marido pode dar consentimento nesse sentido, se a senhora o solicitar…
A cara dela fecha-se automaticamente. Ela não vai humilhar-se a esse ponto. Ele parece atordoado. O meu amigo intercede a favor dela e, de modo imperativo, dispara para ele:
- O senhor consente?
Ela fica em suspenso e ele balbucila:
- Bom… Eu não vinha preparado para uma pergunta dessas... Julgava que era mesmo obrigatório prescindir do nome…
- Mas tem que decidir – diz o meu amigo.
O homem recompõe-se e diz não ter condições para, naquele momento, dar uma resposta. Readquire um ligeiro ar de gozo, imaginando a possibilidade de ela lhe pedinchar o apelido. A ex-cônjuge, por sua vez, não esconde a desolação.
Com o ar mais pesaroso que consegue encenar, o meu amigo volta-se para ela:
- Bom… Poderão conversar mais tarde sobre o assunto e, chegando a acordo, podem solicitar aqui a realização de nova conferência… Se não houver acordo, eu nada mais poderei fazer…
- Pois, eu entendo… - murmura ela, em desabafo, meio distraída. E arruma a questão:
- Não interessa. Se não posso, não posso.
O caso parece encerrado, mas o meu amigo ainda atira:
- Não será bem assim… Julgo que poderá, ainda, abrir-se uma outra possibilidade...
Ela volta a sorrir, ele volta a ficar carrancudo.
- Sim?! Qual?!... – pergunta ela.
- Pode fazer um requerimento, mas ao tribunal, não ao Registo Civil. Poderá invocar razões ponderosas, como julgo poderem ser as suas, e o requerimento será, então, submetido à apreciação de um juiz.
Ela sai com alguma esperança evidente no rosto. Ele sai sisudo, temendo que o caso do apelido vá para tribunal.

NOTA: se o meu amigo fizesse um blogue ou aceitasse os convites que lhe fazem, esta e outras belas histórias seriam muito mais bem contadas.

Comments:
nunca, mas nunca, nunquinha, em circustancia alguma se deve ficar com o nome dele (ou dela).
foi algo que nunca compreendi mas que, com toda a certeza, os cientistas sociais explicarão muito bem.

o nosso nome é sagrado!

beijo, rps ;)
 
Isso de acrescentar o nome dele ao nosso não entendo... não terei esse problema porque não o fiz.
Agora, esse teu amigo não quer contar histórias lá no meu cantinho? Está formalmente convidado...
BJS RPS
 
Adorava ser advogada só para assistir a estas coisas tristes...
Enfim...
*.*
 
Porquê colocar apêndices ao nome? Fazê-lo não é uma prova de amor e em situações como esta poupa os intervenientes de chatices.
 
de facto colocar o nome do/a conjuge é simplesmente absurdo! Logo eu que adoro o meu sobrenome iria la colocar-lhe sufixos...
 
Um funcionário do Registo Civil que se põe a gozar secretamente com um casal em litígio devia ser comopulsivamente afastado da Função Pública. Nunca será um digno funcionário do Estado.
 
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