18.2.07
Sá da Bandeira (RPS)
Não é propriamente a minha onda, mas este fim de semana quis ir espreitar "2 Many DJs" ao Sá da Bandeira. Vindo do Bonjardim, ao dobrar a esquina junto à Brasileira, olhando a fachada do velho teatro, ocorre-me e comento para o amigo a meu lado: não entro aqui há uns 20 anos... A última vez, salvo erro, foi para ver um filme da Cicciolina...
Terão sido poucos os da minha geração que, na adolescência, não viram, pelo menos, um filme pornográfico no Sá da Bandeira. Eu vi vários, aí entre os 15 e os 20 anos, e até disse a quem me acompanhava na noite de ontem que era quase uma heresia ver aquele santuário do porno transformado em catedral electro...
Lembro-me bem da primeira vez que fui ao Sá da Bandeira. Fui com o meu amigo Jorge que, já conhecedor do espaço e face ao meu evidente nervosismo, me garantia, no trolley 33 ou 36, de Gaia para o Porto, não haver problema com os porteiros. Eu estava algo angustiado face à possibilidade de me ser pedido o BI naquele filme interdito a menores de 18 anos. Mas, de facto, não houve qualquer problema. Aliás, nunca havia problemas com a entrada de putos imberbes: pagavam, entravam.
Em cartaz estava, então, "Viúvas Ardentes", no original, salvo erro, "Veuves en chaleur". Foi o filme francês com mais acção que vi em toda a vida... Na memória guardei as imagens iniciais: num cemitério, ambiente de fim de funeral, várias pessoas, vestindo luto, cumprimentavam e murmuravam pêsames a uma jovem viúva chorosa, cujo rosto se vislumbrava apenas pela transparência de um véu negro. A cena não demorava mais de um minuto. De seguida, a senhora entra num automóvel, com motorista vestido a rigor, e segue para a sua residência. Eis-nos já na cena seguinte, passada numa casa luxuosa. Mal entra em casa, tocam à porta e apresenta-se um homem: era amigo do marido, não chegara a tempo ao cemitério e pretendia dar-lhe os pêsames. Segue-se um silêncio que ela quebrou, dando início ao primeiro diálogo relevante do filme:
- Prendrez-vous quelque chose?...
- Oui. Votre cul.
- Oh!... (ela coloca a mãozinha sobre a boca aberta de espanto)
- Non?...
- Oui...
Acto contínuo, ouve-se um qualquer acorde musical forte e todo o écran fica ocupado com as nádegas da protagonista. Deparo-me então com a realidade nua e crua do coito anal.
Lembro-me de voltar várias vezes ao Sá da Bandeira, ora com o Jorge ora com o Rui Pedro ora os três juntos. E, algumas vezes, sozinho. Outro amigo desse tempo, que vou designar por D., nunca quis ir, alegando que a mãe não o deixava (como se as nossas deixassem e soubessem...) e que nem sequer tinha dinheiro para o cinema. Ele alegava sempre falta de dinheiro para poder fazer o que mais gostava: chular os amigos, chular toda a gente. Assim, recusou também participar numa sociedade para adquirimos na Bertrand Internacional, ao fundo de 31 de Janeiro, à direita, o livro "As 50 posições", magnificamente ilustrado com fotos. Era carote - custava aí uns trezentos paus - e eu e o Jorge acabamos por o comprar a meias. Claro que quem mais avidamente o folheava era o D., que o pediu emprestado a fim de, como confessou, "bater punhetas à vontade", em sua casa. Indignado, o Jorge recusou, conquistando, dessa forma, o estatuto de guardião da obra.
O D., entretanto, manteve o estatuto de chulo, exercendo agora a actividade sobre a mulher e os sogros.
Terão sido poucos os da minha geração que, na adolescência, não viram, pelo menos, um filme pornográfico no Sá da Bandeira. Eu vi vários, aí entre os 15 e os 20 anos, e até disse a quem me acompanhava na noite de ontem que era quase uma heresia ver aquele santuário do porno transformado em catedral electro...
Lembro-me bem da primeira vez que fui ao Sá da Bandeira. Fui com o meu amigo Jorge que, já conhecedor do espaço e face ao meu evidente nervosismo, me garantia, no trolley 33 ou 36, de Gaia para o Porto, não haver problema com os porteiros. Eu estava algo angustiado face à possibilidade de me ser pedido o BI naquele filme interdito a menores de 18 anos. Mas, de facto, não houve qualquer problema. Aliás, nunca havia problemas com a entrada de putos imberbes: pagavam, entravam.
Em cartaz estava, então, "Viúvas Ardentes", no original, salvo erro, "Veuves en chaleur". Foi o filme francês com mais acção que vi em toda a vida... Na memória guardei as imagens iniciais: num cemitério, ambiente de fim de funeral, várias pessoas, vestindo luto, cumprimentavam e murmuravam pêsames a uma jovem viúva chorosa, cujo rosto se vislumbrava apenas pela transparência de um véu negro. A cena não demorava mais de um minuto. De seguida, a senhora entra num automóvel, com motorista vestido a rigor, e segue para a sua residência. Eis-nos já na cena seguinte, passada numa casa luxuosa. Mal entra em casa, tocam à porta e apresenta-se um homem: era amigo do marido, não chegara a tempo ao cemitério e pretendia dar-lhe os pêsames. Segue-se um silêncio que ela quebrou, dando início ao primeiro diálogo relevante do filme:
- Prendrez-vous quelque chose?...
- Oui. Votre cul.
- Oh!... (ela coloca a mãozinha sobre a boca aberta de espanto)
- Non?...
- Oui...
Acto contínuo, ouve-se um qualquer acorde musical forte e todo o écran fica ocupado com as nádegas da protagonista. Deparo-me então com a realidade nua e crua do coito anal.
Lembro-me de voltar várias vezes ao Sá da Bandeira, ora com o Jorge ora com o Rui Pedro ora os três juntos. E, algumas vezes, sozinho. Outro amigo desse tempo, que vou designar por D., nunca quis ir, alegando que a mãe não o deixava (como se as nossas deixassem e soubessem...) e que nem sequer tinha dinheiro para o cinema. Ele alegava sempre falta de dinheiro para poder fazer o que mais gostava: chular os amigos, chular toda a gente. Assim, recusou também participar numa sociedade para adquirimos na Bertrand Internacional, ao fundo de 31 de Janeiro, à direita, o livro "As 50 posições", magnificamente ilustrado com fotos. Era carote - custava aí uns trezentos paus - e eu e o Jorge acabamos por o comprar a meias. Claro que quem mais avidamente o folheava era o D., que o pediu emprestado a fim de, como confessou, "bater punhetas à vontade", em sua casa. Indignado, o Jorge recusou, conquistando, dessa forma, o estatuto de guardião da obra.
O D., entretanto, manteve o estatuto de chulo, exercendo agora a actividade sobre a mulher e os sogros.
Comments:
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eh, pá, nunca fui ver porno ao cinema! que lacuna!!!
um mito que gostava de ver esclarecido:
é verdade que no Sá da Bandeira havia um "alvo" desenhado nas costas da cadeira da frente?
um mito que gostava de ver esclarecido:
é verdade que no Sá da Bandeira havia um "alvo" desenhado nas costas da cadeira da frente?
Putos a apanhar o trolley para o teatro, prontos a fintar o porteiro para irem ver um filme porno... Digno de um filme de Fellini! :D
A história diz que, na verdade, o teatro Sá da Bandeira foi um dos primeiros "espaço multi-usos" da Europa!
ao ler "carote" percebi Caronte que pedia a moedinha.
Conheço muito pouco Porto, mas quando visitei pela primeira vez reparei no Sá da Bandeira...
Gostei do post :))
Conheço muito pouco Porto, mas quando visitei pela primeira vez reparei no Sá da Bandeira...
Gostei do post :))
E desta maneira foi que a Cicciolina converteu-se na imagem de mulher ideal para o RPS, tem de ter sido difícil para ele encontrar na vida real outras Cicciolinas. Coitadinho! :) Uma beleza invulgar, a Cicciolina, ainda segue na política italiana?
Ah, um belo post e uns belos tempos ! Com que então 15 anos ?!!! Confeso que me bateste (sem outras conotações...). Teria aí quase 17 anos quando franquei as portas desse lugar mítico das nossa adolescências. E a estranheza dos nossos pais dizerem que iam ao Sá da Bandeira (à Revista, queriam eles dizer) quando para nós no Sá da Bandeira o Teatro era outro. E o Jorge, a saudade do Jorge. E o Rui Pedro, não vejo o Rui Pedro há anos e não o reconheci, estava um cidadão exemplar, marido e pai, a começar a ficar careca e gordo e era até mais pequeno do que a minha memória guardava. E as nossa aulas de liceu, cá atrás na última fila, a inventar nomes para filmes porno - lembro-me ainda do Línguas Rabinas - ou este era o título favorito do Jorge, que também se entregava a estes devaneios.
"Prendrez-vous quelque chose?...
- Oui. Votre cul."
E tu, que não gostas de francês nem de franceses, diz-me em que outra língua esta frase de engate teria o mesmo charme, a mesma souplesse? Era quase como o reclame do Ferrero Rocher:
- Ambrósio apetecia-me algo...
- Madame, tomei a liberdade de pensar em sexo anal...
A vida mudou muito até nestes prazeres interditos e necessários. Hoje já não há cinema porno nas salas - ou só há para meia dúzia de incorrigíveis. Hoje vai-se ao clube de vídeo ou à internet e assiste-se já não a pornografia vulgar de lineu mas a uma sucessão de taras cada vez mais degradantes. Eu não sei se é verdade, mas tenho a sensaçõ que hoje já não seria possível viver estórias como as contads neste post
PS Eu bem queria, e o comment já vai o lençol, mas sobra o D. Saiba o leitor, apenas, e não negando os factos relatados, que D trabalha desalmadamente - capacidade de trabalho e de marranço foi coisa que sempre teve - e que as acusações de RPS são carregadas por uma "embirraçãozita" que já deve ter, como se alcança dos factos, umas dezenas de anos. Ou seja D. não é (apenas)um chulo ! E, mesmo que fosse, seria um chulo meu amigo.
"Prendrez-vous quelque chose?...
- Oui. Votre cul."
E tu, que não gostas de francês nem de franceses, diz-me em que outra língua esta frase de engate teria o mesmo charme, a mesma souplesse? Era quase como o reclame do Ferrero Rocher:
- Ambrósio apetecia-me algo...
- Madame, tomei a liberdade de pensar em sexo anal...
A vida mudou muito até nestes prazeres interditos e necessários. Hoje já não há cinema porno nas salas - ou só há para meia dúzia de incorrigíveis. Hoje vai-se ao clube de vídeo ou à internet e assiste-se já não a pornografia vulgar de lineu mas a uma sucessão de taras cada vez mais degradantes. Eu não sei se é verdade, mas tenho a sensaçõ que hoje já não seria possível viver estórias como as contads neste post
PS Eu bem queria, e o comment já vai o lençol, mas sobra o D. Saiba o leitor, apenas, e não negando os factos relatados, que D trabalha desalmadamente - capacidade de trabalho e de marranço foi coisa que sempre teve - e que as acusações de RPS são carregadas por uma "embirraçãozita" que já deve ter, como se alcança dos factos, umas dezenas de anos. Ou seja D. não é (apenas)um chulo ! E, mesmo que fosse, seria um chulo meu amigo.
Pois para mim, o "Teatro Sá da Bandeira" é apenas a memória do antigo "Teatro Baquero", com uma ligação interior entre a R. Sá da Bandeira e a R. 31 de Janeiro.
Eu e o Arlindo do Rego atravessámos muitas vezes essa ligação, mas nunca para ver filmes pornográficos. Apenas para encurtar caminho. E não para o espectáculo de "Peep show" que havia ao cimo da 31 de Janeiro, mas para a Igreja de Santo Ildefonso onde costumávamos ir rezar.
McJaku tem duplamente razão:
1 - O diálogo entre um amigo do de cujus e a jovem viúva:
- "Prendrez-vous quelque chose?...
- Oui. Votre cul."
redime a língua francesa.
2- És demasiado cruel com D.
O post é excelente.
Eu e o Arlindo do Rego atravessámos muitas vezes essa ligação, mas nunca para ver filmes pornográficos. Apenas para encurtar caminho. E não para o espectáculo de "Peep show" que havia ao cimo da 31 de Janeiro, mas para a Igreja de Santo Ildefonso onde costumávamos ir rezar.
McJaku tem duplamente razão:
1 - O diálogo entre um amigo do de cujus e a jovem viúva:
- "Prendrez-vous quelque chose?...
- Oui. Votre cul."
redime a língua francesa.
2- És demasiado cruel com D.
O post é excelente.
Ah, já me esquecia. O Teatro Baquero ardeu. Uma tragédia no Porto do final de oitocentos.
Deixo este tema como uma sugestão para o Carlos Romão. Se ele passar por aqui e quiser aproveitar a ideia para nos brindar com mais um dos seus imprescindíveis posts.
Deixo este tema como uma sugestão para o Carlos Romão. Se ele passar por aqui e quiser aproveitar a ideia para nos brindar com mais um dos seus imprescindíveis posts.
Funes,
Creio que se refere ao Teatro Baquet, que ardeu em 1888. É uma boa sugestão que terei em conta, sem me comprometer com uma data. A minha atenção tem andado virada para outros afazeres, exteriores ao blogue.
Um abraço
Creio que se refere ao Teatro Baquet, que ardeu em 1888. É uma boa sugestão que terei em conta, sem me comprometer com uma data. A minha atenção tem andado virada para outros afazeres, exteriores ao blogue.
Um abraço
Evidentemente que se tratava do Teatro Baquet. Tinha acabado de ver um poster de uma antiga vedeta da canção foleira espanhola de nome Baquero e fugiu-me subliminarmente o teclado para o Baquero. Que estúpido sou, às vezes.
Não sendo desse tempo nem tendo jamais frequentado o local em causa mas conhecendo os intervenientes só posso dizer que fiquei com saudades... e muitas!
Grande post RPS,
mataste três coelhos de uma cajadada só.
Primeiro pensei que o post era sobre o Sá da Bandeira.
Depois que era sobre o cinema pornográfico.
Finalmente, percebi que é sobre um amigo, como tantos que vamos tendo ao longo da vida. Com defeitos, mas de quem, no fundo, sentimos a falta.
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mataste três coelhos de uma cajadada só.
Primeiro pensei que o post era sobre o Sá da Bandeira.
Depois que era sobre o cinema pornográfico.
Finalmente, percebi que é sobre um amigo, como tantos que vamos tendo ao longo da vida. Com defeitos, mas de quem, no fundo, sentimos a falta.
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