14.1.07

 

Críticas recorrentes de críticos surpreendentes (RPS)

Com o triste debate por causa do triste referendo do aborto, ouvem-se com mais insistência as críticas à Igreja. À Igreja de Roma. Mas não é o aborto, o referendo e os argumentos em jogo que importam aqui. Aqui, olho para as críticas recorrentes dirigidas à Igreja e, também, para os críticos.

O que ouvimos, habitualmente? Que a Igreja está parada no tempo, não se modernizou, não evolui. Que, por não evoluir, as pessoas se afastam dela. Um chorrilho de disparates... A Igreja, obviamente, evolui. Ao seu ritmo, que não é, claro, o ritmo dos tempos. Sábia, entende que se evoluísse ao ritmo dos tempos já se tinha diluído. Uma instituição que dura quase dois mil anos e que, com todas as crises e problemas, mantém grandes níveis de adesão e de influência só pode mesmo ser sábia. E tamanha perenidade só se verifica pelo facto de saber evoluir ao ritmo certo.

Outra crítica recorrente - e cretina - é a de que a Igreja impõe ou pretende impor os seus princípios, regras e valores. A Igreja, obviamente, apenas propõe e as pessoas aderem à proposta se quiserem - são totalmente livres de a recusar.
Daqui, muitos concluem - com horror - que a Igreja não é democrática. Que deconchavo de argumento! Mas era suposto?... O que se pretende? Decidir indulgências por maioria qualificada? Votar na nomeação de Bispos ou na do Padre Raimundo para a Paróquia de Águas Santas? Referendar encíclicas papais? Só as futuras ou mesmo as anteriores, tipo "Concorda com a Rerum Novarum, de Leão XIII?"... E quem tinha direito a voto, nestes actos? Todos? Só os baptizados?...

A Igreja não está, obviamente, acima da crítica, mas dava jeito que não se ouvisse e lesse tantas vezes críticas tão ligeiras, tão inconsistentes, tão ocas de sentido. Patetas, mesmo. Mas o mais curioso de tudo é que este tipo de críticas - muitas vezes reproduzidas em registo agastado - é feito habitualmente por pessoas que dizem não ter fé e que não querem saber da Igreja para nada! Se não querem, se estão fora, se a Igreja não lhes diz nada, porque se preocupam tanto e são tão críticos? Eu, por exemplo, estou-me nas tintas para o que dizem e fazem os pastores da IURD.

É surpreendente, de facto. Ou talvez não tanto quanto isso... Há uns tempos, li um livro, uma história romanceada sobre a sucessão de Pio IX, em 1878. Para além de nos dar um retrato muito interessante dos bastidores do Vaticano e do Conclave, o livro fornece muitos dados sobre a história desse tempo em que a Itália tinha acabado de ser unificada - 1870 - e o Estado italiano mantinha um grave diferendo político e diplomático com o Papa e o Vaticano.

Reza a história que, nas vésperas do Conclave, a seguir à morte de Pio IX, Gambetta, chefe do Governo de França, republicano radical e anti-clerical, se envolveu em jogadas de bastidores, tentando influenciar a votação. Gambetta tinha um cardeal preferido (um tal Bilio, italiano, que veio a ser derrotado por outro italiano, Pecci, futuro Leão XIII) e, para além de ter dado indicações directas aos cardeais franceses com direito a voto, teve várias iniciativas diplomáticas a favor do seu preferido. Sobre esses episódios, conclui o autor do livro: provam, pelo menos, que os adversários do clericalismo curam mais das questões religiosas do que deixam transparecer...

Comments:
É uma das muitas incoerências da Igreja Católica e de quem a ela pertence. Por um lado, não admitem que a religião seja remetida para a esfera do privado. Querem fazer parte da sociedade e influenciá-la de acordo com os valores que defendem. Consideram que mesmo um Estado laico não pode ignorar a religião, a sua presença e a sua influência.
Mas por outro, quando alguém exterior critica as posições da igreja ou dá opiniões vêm de imediato recusar aos "estranhos" o direito de opinar e, muito menos, de criticar. Se a Igreja quer ser parceiro de pleno direito, não pode querer só ter direitos, tem que reconhecer os direitos dos outro. Se quer igualdade tem que aceitar a igualdade.
Quem pertence à igreja aceita as suas regras. Muito bem. Ninguém é obrigado a pertencer. Também era só o que faltava... Então a Igreja que restrinja a sua influência aos seus seguidores e não tente exportá-la, muito menos impô-la.
 
Parabéns pelo post. Pôs ordem conceitual numa atmosfera dialética caótica e aclarou motivações e percursos. Em réplica (talvez mais em aprofundamento), JPF brilhou-nos com outro post de igual qualidade. pela nminha parte permito-me fazer algumas modestas observações: sobre o comentário da Dina, direi que a Igreja não pode "restringir a sua influência aos seus seguidores", tendo sempre que a tentar a ampliar universalmente porque, a não ser assim, teria critalizado num clube fechado aos doze apóstolos e terminaria com a morte destes; por outro lado também não deve eximir-se à crítica: o problema não está nas críticas está na má fé que muitas vezes lhes subjaz. Mesmo os anti-clericais aceitam geralmente a acção da Igreja na sua componente social e assistencial; mas recusam o seu magistério moral. Sucede que se a Igreja se limitasse à primeira não passaria de uma ONG simpática. Ora, para os crentes a vida não termina com a morte física e os comportamentos não são todos equivalentes: há o bem e há o mal e a Igreja define um e outro de acordo com a sua doutrina. E tenta convencer as pessoas a aderirem a essa doutrina, mas obviamente não as pode obrigar a fazê-lo. O que RPS defendeu, se bem entendi, é que muitos críticos da Igreja pretendem que para a mensagem dela ser "modernamente aceitável", teria de se modificar a um ponto que a desvirtuaria: seria uma Igreja "politicamente correcta", constantemente mutável na sua doutrina e organização e ao sabor das modas intelectuais. Mas estas são efémeras e a Igreja não é ou, pelo menos, não o foi nos últimos dois mil anos. Por isso evolui sim, mas ao seu ritmo próprio. E para os seus seguidores esse é o ritmo correcto.
 
Questão engraçada, RPS compara a SMICPR (Santa Madre Igreja Católica Apostólica Romana) à IURD...
Quando um líder religioso diz que o aborto é pior do que o terrorismo incoda-me. Incomodava-me se fosse o Pastor da Iurd, incomoda-me mais que tenha sido o Papa, líder da Igreja em cujos valores fui educado, com milhões de fieis em todo o mundo e cuja influência não posso nem quero negar. Portanto, RPS, se não deixas de ter alguma razão, há limites para o alheamento ao que as diferentes igrejas pregam. Para não chegar ao caso extremo de Salman Rushdie
 
Este post serve-me a carapuça,porque eu já disse coisas parecidas! Mas quando digo evoluir,refiro-me ao modo como eles dão as missas, não sabem cativar a atenção das pessoas!Mas aceito a tua opinião!
 
Muito bom o post.
 
Uma vez mais, a ideia de que a igreja se deve "modernizar" pode ser muito interessante para quem está de algum modo ligado à igreja. Quem não está, como é o meu caso, tanto lhe faz que a missa inclua espectáculos com coristas como que seja dita em latim e de costas voltadas para a assistência. Que a igreja tente alargar a sua influência, "vender o seu produto" acho legítimo. É o que fazem todas as empresas e esta não é muito diferente das outras. Vende um produto específico, a vida depois da morte, no paraíso ou no inferno. Quem quiser comprar, pague, regule a sua vida pelas concepções de bem e mal que constituem divisa usada neste negócio. Quem não estiver interessado no produto não tem que carregar consigo essa moeda de um negócio que não lhe diz respeito.
 
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