15.1.07

 

Comentário à crítica das críticas recorrentes de críticos surpreendentes

O post anterior de RPS é demasiado importante para ficar por um comment. Como diriam os comentadores encartados, toca um " cerne da questão" na nossa civilização ocidental: o lugar da Igreja de Roma ( para usar o termo do RPS) na sociedade actual, em toda a dimensão dos seus valores e comportamentos.

RPS tem razão nalguns pontos e noutros temo que a questão esteja transviada.

Em primeiro lugar, fiquei um pouco confuso sobre a Igreja que defendes no teu post. Referes-te ao produto histórico já conhecido - com dois mil anos de história - ou abarcas a construção eterna, que os crentes professam, capaz de abarcar séculos e séculos vindouros, independentemente de geografia e economia conjunturais ?
Quem defende a capacidade de evolução da Igreja parece-me mais próximo da segunda versão. Ou seja, da ideia de que vista num ângulo de juizo final (em minúsculas, não haja confusões) o trajecto da Igreja foi naturalmente uma escrita direita por linhas tortas.

Supondo que defendes a primeira, estou de acordo com o essencial. Mas talvez discorde dos argumentos.

A proposta de Cristo é a da liberdade( cf. Gál. 5, 14 ) . Mas a Igreja - uma construção humana e falível - nem sempre a cultivou ou praticou. Como é óbvio, a Inquisição é o grande telhado de vidro. É o facto, amigo RPS, que permite questionar se de certa maneira - e por largo tempo histórico para efeitos de contagem da primeira opção - a Igreja não impôs extraordinariamente os seus princípios, regras e valores. Aliás, penso mesmo que muitos milhões de católicos gostariam que da Praça de São Pedro surgissem palavras mais vinculativas para a sociedade em relação ao comportamento moral de povos e "estadistas". Mas da mesma forma, espero, benevolente, que os críticos que anonimamente citas, RPS, saibam usar as aspas no verbo "impôr", por ser hoje uma arte muito mais subtil que nos séculos anteriores.

O que os críticos da Igreja Católica não se esquecem - sobretudo os que menos leram - é de cobrar penitência pela Inquisição, esquecendo toda a acção restante, muita dela inatacável e sobretudo desconhecida. O benefício da dúvida, o arrependimento e o perdão são dos valores menos seguidos pelos católicos - mas porventura ainda menos pelos anti-clericais ferrenhos. É para eles esta carta de JP II.

A verdade, RPS, é que são apenas dois os tipos maioritarios de gente que critica a Igreja: os baptizados que se afastaram dela - geralmente por dissonância conjuntural - e os ateus encartados e ferozes. Os minoritários são geralmente gente pouco citada nos cafés - são intelectuais não crentes, tolerantes e, regra geral, humanistas.

Certo, amigo, é que pessoas com pouca fé - mesmo personalidades de grande notoriedade mundial - podem também ter opinião sobre a Igreja Católica. Quem quiser que os ouça. Se a Igreja é grande, passará por isso. Se tiver telhados de vidro, sofrerá. O que referes, RPS, releva da tal importância objectiva da Igreja Católica no mundo. É por isso que os sem-fé se preocupam. Mas são talvez mais os que, sendo crentes, se inquietam com a hierarquia da Igreja.

Pequenas observações finais:

1) o tempo da Igreja - tens toda a razão RPS - não é, por exemplo, o mediático. Contudo, parece-me óbvio que vivemos numa aceleração de conteúdos que pode magoar seriamente o dito Magistério, contudo sem o destruir.

2) a Igreja não é de facto uma democracia. Mas parece conter cada vez mais momentos, diria, de "democracia controlada". É o caso dos Conclaves. No caso de um pontificado longo, a nomeação de cardeais pelo Papa é obviamente o exercício ( exclusivo e político) de uma "quota do líder" e uma prerrogativa inabalável de um bom sucessor de Pedro. E no entanto, numa sala fechada á chave, há uma votação secreta, em que um homem vale um voto, venha de onde vier...

3) Tens razão, Dina : a Igreja não é nada coerente. E isso faz muita confusão a quem professa valores de igualdade. Mas é preciso notar que, pelo reverso, a coerência não é uma virtude em si mesma. Não é marcador de humanidade ou de especial autoridade moral.Em campos distintos, apesar de para mim incomparáveis, Hitler e João Paulo II foram sempre muito coerentes.

P.S. - No Sofá: os possíveis portugueses melhores que os outros, Chet Baker, a Índia que eu posso contar, Samuel Beckett e os templates. Sampaio e Berardo. Babel e o Iraque.

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