2.12.06
Nunca mais é Janeiro (RPS)
Não me lembro de acreditar no Pai Natal. Lembro-me de ter cinco anos, de o Natal estar próximo, e de a minha Mãe me ter pedido que não revelasse a verdade às minhas irmãs. Cumpri - não foi por mim que, anos mais tarde, vieram a saber da verdade.
Mesmo sem acreditar no Pai Natal, nunca senti, em toda a vida, emoção e ansiedade tão gostosamente intensas como sentia, por esse tempo, ao acordar na manhã de 25 de Dezembro.
Confirmado o óbvio - porta da sala fechada à chave - acordávamos os meus Pais. Algum espírito consumista fazia-se sentir já nesse tempo, facto que - entendo-o hoje - era para nós tanto mais supreendente quanto o dia a dia era algo espartano. Não por qualquer tipo de dificuldades económicas, que de modo algum existiam, mas - percebi-o mais tarde - por uma questão de princípio e de regra. Por exemplo, um mês de praia dava direito a um gelado. Um dia só. Poucos mais comíamos em todo o Verão. Uma vez por semana, havia pastéis comprados à doceira que passava pelo areal de Francelos. Iogurte era produto encarado como uma extravagância com dia e hora marcados: às sextas-feiras ao lanche. Qualquer espécie de sumo estava unicamente reservada para dias de festa. Água e leite. Este tipo de contenção e comedimento aplicava-se noutras áreas, como à roupa ou ao material escolar.
Mas no Natal era diferente. A verdade é que o meu Pai se passava com as prendas de Natal. Já mais crescidito, ainda tive tempo de me aperceber disso, antes de ele morrer, e confirmei-o nos anos seguintes pelas conversas da minha Mãe. Muito mais austero que a minha Mãe, era ele que ultrapassava alguns limites pelo Natal.
Mas os Natais continuaram felizes e fartos. Por muitos anos. Confesso que, de há uns tempos (dez anos? quinze anos? sei lá...) a esta parte os meus sentimentos se alteraram. Por algumas razões que não identifico - nem isso me atormenta - e também pelo facto do espírito consumista ter crescido a um ponto que nos abafa.
A meio de Novembro, nas rádios e tv's, por exemplo, já há publicidade alusiva ao Natal. Por estes dias, já há iluminações nocturnas por todo o lado. Em miúdo, os primeiros sinais de Natal sentiam-se com o aproximar do dia 7 de Dezembro. No dia do aniversário materno, árvore e presépio tinham que estar prontos. Estavam, desde a véspera e, então, sabíamos que um dia destes iríamos sair à noite. Mais uma emoção natalícia: depois do jantar, uma voltinha de carro, pelo Porto, para ver as "luzinhas de Natal". Só no Porto e em Lisboa havia iluminações. Em Gaia, por exemplo, nem sequer faria sentido que as houvesse nesse tempo porque, praticamente, não havia comércio, para além de cafés, tascas e mercearias.
Hoje, por todo lado, as luzes ferem. As pessoas acotovelam-se. A insuportável música natalícia entra-nos pelos ouvidos em todo o lado, incluindo no meio das ruas. Tropeça-se em pais-natais a cada esquina.
Hoje, sábado, tive que circular a meio da tarde, de automóvel, pela baixa do Porto. Insuportável.
Nunca mais é Janeiro.
Mesmo sem acreditar no Pai Natal, nunca senti, em toda a vida, emoção e ansiedade tão gostosamente intensas como sentia, por esse tempo, ao acordar na manhã de 25 de Dezembro.
Confirmado o óbvio - porta da sala fechada à chave - acordávamos os meus Pais. Algum espírito consumista fazia-se sentir já nesse tempo, facto que - entendo-o hoje - era para nós tanto mais supreendente quanto o dia a dia era algo espartano. Não por qualquer tipo de dificuldades económicas, que de modo algum existiam, mas - percebi-o mais tarde - por uma questão de princípio e de regra. Por exemplo, um mês de praia dava direito a um gelado. Um dia só. Poucos mais comíamos em todo o Verão. Uma vez por semana, havia pastéis comprados à doceira que passava pelo areal de Francelos. Iogurte era produto encarado como uma extravagância com dia e hora marcados: às sextas-feiras ao lanche. Qualquer espécie de sumo estava unicamente reservada para dias de festa. Água e leite. Este tipo de contenção e comedimento aplicava-se noutras áreas, como à roupa ou ao material escolar.
Mas no Natal era diferente. A verdade é que o meu Pai se passava com as prendas de Natal. Já mais crescidito, ainda tive tempo de me aperceber disso, antes de ele morrer, e confirmei-o nos anos seguintes pelas conversas da minha Mãe. Muito mais austero que a minha Mãe, era ele que ultrapassava alguns limites pelo Natal.
Mas os Natais continuaram felizes e fartos. Por muitos anos. Confesso que, de há uns tempos (dez anos? quinze anos? sei lá...) a esta parte os meus sentimentos se alteraram. Por algumas razões que não identifico - nem isso me atormenta - e também pelo facto do espírito consumista ter crescido a um ponto que nos abafa.
A meio de Novembro, nas rádios e tv's, por exemplo, já há publicidade alusiva ao Natal. Por estes dias, já há iluminações nocturnas por todo o lado. Em miúdo, os primeiros sinais de Natal sentiam-se com o aproximar do dia 7 de Dezembro. No dia do aniversário materno, árvore e presépio tinham que estar prontos. Estavam, desde a véspera e, então, sabíamos que um dia destes iríamos sair à noite. Mais uma emoção natalícia: depois do jantar, uma voltinha de carro, pelo Porto, para ver as "luzinhas de Natal". Só no Porto e em Lisboa havia iluminações. Em Gaia, por exemplo, nem sequer faria sentido que as houvesse nesse tempo porque, praticamente, não havia comércio, para além de cafés, tascas e mercearias.
Hoje, por todo lado, as luzes ferem. As pessoas acotovelam-se. A insuportável música natalícia entra-nos pelos ouvidos em todo o lado, incluindo no meio das ruas. Tropeça-se em pais-natais a cada esquina.
Hoje, sábado, tive que circular a meio da tarde, de automóvel, pela baixa do Porto. Insuportável.
Nunca mais é Janeiro.
Comments:
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ops que mau feito...
td bem aceito que seja janeiro....
psstt menino...aguardo prenda natalicia:)
jocas maradas nada espartanas
td bem aceito que seja janeiro....
psstt menino...aguardo prenda natalicia:)
jocas maradas nada espartanas
RPS,
se você quer saber, aqui já começaram EM OUTUBRO a propagar o Natal. Fiquei arrasada, porque soa-me cada vez mais comercial, a data. Tantos presentes e esquecem do aniversariante...
Mas ainda há algo de mágico, com o meu Natal, todos os anos, e que só começo a sentir, mesmo, na semana que o antecede. Hoje, por exemplo, não me animo. Mas daqui a alguns dias estarei fazendo planos para reunir a família, pensando no jantar, nos mais pobres que posso ajudar, nas crianças que não têm de quem ganhar um presentinho, e começo a imaginar a alegria, a festa, a confraternização. Aí começo a sentir esse tal "espírito do Natal".
p.s.
O Papai Noel (Pai Natal de vocês) deveria ter uma roupa mais tropical, para usar em dezembro, no Brasil. Pleno verão carioca e o homem com roupa de usar no meio da neve... E nem assim emagrece! Pfff!! Vai entender...
se você quer saber, aqui já começaram EM OUTUBRO a propagar o Natal. Fiquei arrasada, porque soa-me cada vez mais comercial, a data. Tantos presentes e esquecem do aniversariante...
Mas ainda há algo de mágico, com o meu Natal, todos os anos, e que só começo a sentir, mesmo, na semana que o antecede. Hoje, por exemplo, não me animo. Mas daqui a alguns dias estarei fazendo planos para reunir a família, pensando no jantar, nos mais pobres que posso ajudar, nas crianças que não têm de quem ganhar um presentinho, e começo a imaginar a alegria, a festa, a confraternização. Aí começo a sentir esse tal "espírito do Natal".
p.s.
O Papai Noel (Pai Natal de vocês) deveria ter uma roupa mais tropical, para usar em dezembro, no Brasil. Pleno verão carioca e o homem com roupa de usar no meio da neve... E nem assim emagrece! Pfff!! Vai entender...
Post lindíssimo, RPS!
Eu gosto da jantarada e de uma copalhada com os amigos na véspera, antes de ir a casa provar as rabanadas.
(Já se pode chamar tradicional ao Shot Pai-Natal).
Também me irrita o modo como é vivido em termos comerciais...
Eu gosto da jantarada e de uma copalhada com os amigos na véspera, antes de ir a casa provar as rabanadas.
(Já se pode chamar tradicional ao Shot Pai-Natal).
Também me irrita o modo como é vivido em termos comerciais...
Passa-se exactamente o mesmo em Lisboa! Só dá para andar de Metro e mal e também sinto que os meus contagiados sentimentos de afecto, próprios da época, se vêm alterando drasticamente de há alguns anos a esta parte. Aliás e para ser bem sincera, sinto desde há alguns anos, que o Natal simboliza o momento mais insuportável do ano para mim! É essencialmente para o aguentar que me começo a preparar cada NOvembro.:-)
Absolutamente de acordo. Nunca mais é Janeiro. Ainda assim, tem o mérito de te fazer escrever desta forma. ;)
Mais um post pseudo-intelectual que toma um pseudo-ódio pelo natal como algo "diferente".
Dizer que o natal perdeu a graça por todo o consumismo que existe á sua volta faz tanto sentido como dizer o mesmo do futebol pela quantidade de anuncios que dão aos jogos na sporttv, ou á publicidade nos estádios. É o mesmo que dizer que a segurança automovel ja não tém piada nenhuma porque agora todas as marcas fazem publicidade aos testes rigorosos por que passam os seus automoveis...
O natal é como nós quisermos, se quisermos que seja uma festa do consumismo é so ir a um shopping qualquer e comprar até não poder mais, se não quisermos é de outra forma qualquer. O importante é o espirito de familia que se cria na noite de 24 de Dezembro. E não te preocupes que nessa noite nem sequer lojas estão abertas para ninguém correr o risco de consumir mais qualquer coisa.
Post completamente de alguém com a mania que é diferente só porque a maioria gosta do natal...
Dizer que o natal perdeu a graça por todo o consumismo que existe á sua volta faz tanto sentido como dizer o mesmo do futebol pela quantidade de anuncios que dão aos jogos na sporttv, ou á publicidade nos estádios. É o mesmo que dizer que a segurança automovel ja não tém piada nenhuma porque agora todas as marcas fazem publicidade aos testes rigorosos por que passam os seus automoveis...
O natal é como nós quisermos, se quisermos que seja uma festa do consumismo é so ir a um shopping qualquer e comprar até não poder mais, se não quisermos é de outra forma qualquer. O importante é o espirito de familia que se cria na noite de 24 de Dezembro. E não te preocupes que nessa noite nem sequer lojas estão abertas para ninguém correr o risco de consumir mais qualquer coisa.
Post completamente de alguém com a mania que é diferente só porque a maioria gosta do natal...
eu, por acaso, não concordo com o anónimo anterior.
rps não tem a mania que é diferente, ele é, em algumas matérias, realmente peculiar.
e, basicamente, concordo com esse olhar sobre o Natal, apesar de gostar do Natal. só não aprecio algumas das coisas aqui tão bem sacadas, de resto, há cada vez mais excssos e desvios, no Natal comercial.
mas não é desse que eu gosto.
gosto de outro, outro Natal. mais interior.
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rps não tem a mania que é diferente, ele é, em algumas matérias, realmente peculiar.
e, basicamente, concordo com esse olhar sobre o Natal, apesar de gostar do Natal. só não aprecio algumas das coisas aqui tão bem sacadas, de resto, há cada vez mais excssos e desvios, no Natal comercial.
mas não é desse que eu gosto.
gosto de outro, outro Natal. mais interior.
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