27.7.06

 

Salazar (RPS)

Despertei para a política faz hoje exactamente 36 anos.
No colégio, os meninos mais velhos diziam que tinha morrido o Salazar e notava uma certa excitação no ar. Apercebi-me de que as professoras que nos acompanhavam no Verão também conversavam sobre o assunto, fosse lá o que fosse. Apeteceu-me, mas não fiz perguntas.

Em casa, para minha surpresa, ouvi de novo o nome de Salazar. E a televisão só falava nessa pessoa, fosse lá quem fosse. Quis perceber o que se passava e, como a televisão tinha sido desligada por ordem superior, tive mesmo que perguntar.
Não sei exactamente o que me disseram, mas fiquei com a ideia de que era um homem muito importante, que mandava em Portugal, mas que estava muito velhinho e doente. E que várias pessoas importantes também mandavam em Portugal e eram do Governo. E também fiquei a saber que no lugar do Salazar estava agora outra pessoa muito importante, o Marcelo Caetano. Sim, esse sabia mais ou menos quem era e até tinha um ar simpático.

Fui para a cama a pensar naquilo. Furioso com o meu Pai, por não me deixar ver televisão. Como se não bastasse, ligou-a depois de dos obrigar a ir para a cama. Fiquei sentido.
Bolas! Aquele tal Marcelo Caetano era o que mandava?! Eu julgava que era o Presidente da República, o Tomás. Por acaso, era velhinho. Porque não morrera ele?...
E será que o meu Pai conhecia estes homens que mandavam? É que ele conhecia tanta gente e a verdade é que lá em casa mandava ele: nem me deixava ver televisão... Mas era estranho: eu tinha a clara sensação de que o meu Pai não gostava muito daqueles homens importantes porque, no final do jantar, ele via o noticiário da televisão e fazia uns comentários que, embora eu não entendesse, não me pareciam nada simpáticos. E, em vários ocasiões, a minha Mãe repreendia-o: Mário, está calado, olha os miúdos...
Era frustrante nunca me explicarem tudo. E, para mais, passava-se algo importante. Jurei a mim mesmo que iria entender tudo: amanhã tenho de ler bem o Janeiro, pensei. Li. Fiquei a perceber algumas coisas, mas deparei com novas dúvidas. Comecei a não fazer todas as perguntas, mas continuei atento à televisão e a aguardar pelo "Janeiro" do dia seguinte.

Comments:
De onde se conclui que a autoridade excessiva pode estimular a busca do conhecimento?
 
Bom dia RPS!
...eu nunca acordei para a politica...
O texto é magnifico!
Bjico
 
O texto é bom
Entre os textos de Funes e RPS, "mon coeur balance"...salvo quando versam o execrável futebol

Todavia, também Funes, o matreiro, se apercebeu de que o tema FUTEBOL puxa pelos "comments".
Assim, quando falta tema e há que postar para cumprir calendário: toca de botar o isco futebol em anzol de blogueiros zappers
Por vezes a despropósito, com "boutades" adequadas a assanhar os mais pintados. Pintados que não caiem muito no isco, pois já conhecem a raposinha, raposeta, pintalegreta, senhora de muita treta...
 
gostei de ler.te.

afinal o mau feitio/ a teimosia vem desde pequenino:)))))))))eheheh

jocas maradas

psttt tens a certeza q já sabes quem foi salazar?:)
 
Que bela memória e que bela memória num belíssimo texto!
 
Afinal sempre bate certa a música da Calcanhoto:
"Saiba todo o mundo já teve infancia
Maomé já foi criança
Arquimedes, Buda, Galileu
e também voçê e eu".
E eu a pensar que tinhas saltado uma etapa?

Aquele abraço
JCS
 
Do Arnaldo Antunes?
 
RPS,
quando queres, sabes...
Foste menino e trouxeste a nós o retrato desse tempo, das intimidades do lar, das autoridades do pai e das doces admoestações da mãe...
Hoje, mando-te um abraço e um obrigada pelo post maravilhoso que fizeste.
 
Não sei o que mais apreciar: se o post em si, se alguns dos comentários que suscitou.
 
Boa Posta... Gostei.
 
Para além das fotografias do Senhor Presidente do Conselho e do Presidente da República que estavam na sala da 1ª e 3ª classes, não tenho grandes recordações políticas desses anos.
Sabia que a PIDE era coisa má, mas só dava por ela na frnteira de Valença em que se revistam os carros e tinha sempre medo. E não gostava de Caetano por causa das "Conversas em Família" que ocupavam o canal único da televisão. Mas isso não é motivo de grande satisfação: também não gostava do "Se bem me lembro" do Vitorino Nemésio 1
PS Ao contrário da tua mãe, com quem contactava quase diariamente e que sempre foi, é, e oxalá continue a ser por muito tempo uma senhora muito simpática, não me lembro de ter contactado com o teu pai mais do que um par de vezes. Recordo um figura grave, que impunha respeito (eufemismo de algum medo), forte. Ao contrário da tua mãe, não era uma personagem que me fosse muito querida.
 
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