27.6.06
México 86 (RPS)
Foi o Mundial de Maradona. Não tenho dúvidas de que Garrincha foi melhor - é, aliás, o melhor de sempre - e de que Pelé bate o argentino na lista dos melhores de sempre, quanto mais não seja pela folha de serviços, os títulos, que não podem ser ignorados quando procuramos avaliar uma carreira de um desportista. Maradona foi, contudo, o melhor jogador que vi jogar.
Foi o Mundial da "mão de Deus", frente à Inglaterra, um episódio que ainda hoje revolta Bobby Robson, o então seleccionador inglês, que se sentiu espoliado. E foi também nesse jogo que Maradona marcou um dos mais belos golos dos Mundiais, correndo meio-campo, sozinho com a bola, ultrapassando sucessivos ingleses.
Valdano, grande avançado dessa equipa da Argentina, já escreveu sentir-se o homem mais preveligiado do mundo porque pôde ver o golaço de Maradona à Inglaterra como ninguém. Enquanto Maradona avançava com a bola e deixava adversários para trás, ele acompanhava, pelo centro do terreno, a corrida de Diego, esperando que este lhe passasse a bola. Não passou e Valdano diz que, assim, viu o filme todo em posição única, praticamente de frente para o acontecimento.
Na sua biografia, Maradona conta que, bem depois do jogo, o seu colega Negro Enrique, defesa-central dessa selecção, desabafou que todos felicitavam Diego, esquecendo que fora ele quem lhe passara a bola. Diz Maradona: hijo de puta! E explica: ele passou-me a bola na nossa área... Não foi na área, foi a meio-campo, mas isso não apaga o essencial e Diego tem justificadas razões para insultar o colega.
Na final, a Argentina ganhou à Alemanha. Esteve a ganhar 2-0, cedeu o empate e, no prolongamento, fez o 3-2. Marcou Jorge Burruchaga - outro grande jogador - desmarcado por... Maradona, claro.
A Alemanha estava enfraquecida. Chegou ao empate graças ao seu melhor jogador, o admirável Karl-Heinz Rummenigge. Mesmo diminuído fisicamente, coxeando, era ele que ainda resolvia os problemas da equipa. Na final, saltou do banco e a Alemanha quase deu a volta. Rummenigge foi um dos meus jogadores preferidos de sempre e, habitualmente, não consta de tops nem de classificações de históricos do futebol.
O Mundial de 86 foi ainda o Mundial em que a França, campeã da Europa, conseguiu o teceiro lugar. Com Platini, Giresse e Tigana. Foi o Mundial em que o Brasil surgiu mais realista, com dois médios defensivos, Elzo e Alemão, mas pouco eficaz, com Júnior (tal como ele próprio ambicionava) a médio, ao lado de Zico, um craque já em perda. Nos quartos-de-final, Zico falhou o penalty decisivo contra a França. O melhor dos brasileiros terá sido Careca, avançado-centro, companheiro de Maradona no Nápoles. Marcou alguns golos, mas não chegou.
O Mundial de 86 foi também o Mundial de Saltillo. Mais uma vergonha portuguesa. Por culpa dos dirigentes federativos, dos jogadores e do seleccionador.
Os dirigentes federativos eram encimados pelo sinistro e ultramontano Silva Resende, (ex-director de A Bola...), que se manteve, durante a prova... em Portugal...
Entre os jogadores, mandavam na selecção homens como Bento, Carlos Manuel e Diamantino. Todos do Benfica, todos naturais ou ligados ao Barreiro, todos meninos ricos com gosto pela verborreia de cariz esquerdista e revolucionário. Cada um deles sonhava ser um Che Guevara da bola.
O treinador, José Torres, permitiu todas as bandalheiras. Poupemo-lo: é hoje (e de há uns anos a esta parte) um homem gravemente doente.
Volto a Maradona. Além dos golos - o legal e o ilegal - contra a Inglaterra, recordo, ainda, a meia-final com a Bélgica. Diego voltou a fazer, sozinho, um golo fabuloso. E recordo, ainda, outra cena já não sei em que jogo. Maradona vai marcar um canto e implica com a bandeirola. Perturbava-o. Pertubava S. Exc.ª... Diego, então, arranca a bandeirola da relva e atira-a para o chão. O árbitro (ou mesmo o juíz de linha, não tenho bem presente) tem, então, a oportunidade da sua vida: impor-se ao melhor, ao único, a Diego Maradona. Assim, manda o capitão argentino recolocar a bandeirola no lugar. Com gestos lentos, acompanhados de um esgar de riso, mas, simultaneamente, de algum desprezo, Maradona espeta o suporte da bandeira na relva, no seu devido lugar. O árbitro volta a agir: aponta para a pequena bandeira que ainda jazia no solo. Lentamente, Diego pega na bandeira, pousa-a na extremidade da vara e prepara-se para bater a bola. O juíz impede-o, obrigando-o a enfiar devidamente a pequena bandeira no espeto. Diego cumpre as ordens, sempre com aquele esgar, entre o divertido e o superior, como que dizendo, com desprezo, ao juíz: Estás contente, pá? OK, eu deixo que me dês ordens para te ires armar para a tua terra.
Maradona fez o que o árbitro mandou. Mas toda a gente viu e percebeu que, por aquele tempo, era ele, Diego, o dono do Mundo.
Comments:
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De futebol sabes tu, RPS, mas há aqui uma estranha afirmação: "...Bento, Carlos Manuel e Diamantino. Todos do Benfica, todos naturais ou ligados ao Barreiro, todos meninos ricos com gosto pela verborreia de cariz esquerdista e revolucionário." - DESCULPA LÁ, MAS TODA A GENTE SABE QUE O QUE NÃO HAVIA NO BARREIRO, ERA MENINOS RICOS!!! SÓ SE FOSSE ALGUM NETO DO ALFREDO DA SILVA, DE PASSAGEM.
NO BARREIRO HAVIA OPERARIADO, CHEIRANDO/RESPIRANDO FUMO DE DIA E DE NOITE, PAIRAVA UMA NUVEM SOBRE O BARREIRO DA CUF, NÃO HAVIA LÁ VIVENDAS - ESSAS ESTAVAM EM CASCAIS E SINTRA, JÁ NESSA ALTURA.
AO BARREIRO VINHAM PARAR, EM BUSCA DE TRABALHO, OS ALENTEJANOS E ALGUNS, MENOS, MUITO MENOS, ALGARVIOS, QUE NA SUA TERRA ERAM QUASE MISERÁVEIS.
.........
Desculpa se me alonguei.
Ah, podes tb chamar-me "esquerdalha" ou algo assim, que eu aguento!
NO BARREIRO HAVIA OPERARIADO, CHEIRANDO/RESPIRANDO FUMO DE DIA E DE NOITE, PAIRAVA UMA NUVEM SOBRE O BARREIRO DA CUF, NÃO HAVIA LÁ VIVENDAS - ESSAS ESTAVAM EM CASCAIS E SINTRA, JÁ NESSA ALTURA.
AO BARREIRO VINHAM PARAR, EM BUSCA DE TRABALHO, OS ALENTEJANOS E ALGUNS, MENOS, MUITO MENOS, ALGARVIOS, QUE NA SUA TERRA ERAM QUASE MISERÁVEIS.
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Desculpa se me alonguei.
Ah, podes tb chamar-me "esquerdalha" ou algo assim, que eu aguento!
mais memórias do teu baú de recordações. tens quantos anos, afinal, rps? 5o? 45?
isso não interessa , mas que és um engraçado lá isso és. :)
e fiquei com pena de ti, MEU AMIGO: um casamento já é mau, no dia de S. joão em LX, É DO PIORRRRRRRRRRRRR!
por isso é que te passam aquelas macacoadas de síncopes a chegar ao altar :)
beijinhos
isso não interessa , mas que és um engraçado lá isso és. :)
e fiquei com pena de ti, MEU AMIGO: um casamento já é mau, no dia de S. joão em LX, É DO PIORRRRRRRRRRRRR!
por isso é que te passam aquelas macacoadas de síncopes a chegar ao altar :)
beijinhos
José Torres passou anos a dizer que um dia falaria sobre o que se passou em Saltillo. Agora, por causa da Alzheimer, já não falará.
Mandei ontem um comentário para este fluente e interessante post mas não saiu... Bem, correndo o risco de ainda "aparecer" inserido e de, assim, me repetir, cá vai outra vez: não vi lá muitos jogos deste Mundial de 86. Nessa época vivia em Lisboa durante a semana e estava aboletado num quarto sem serventia de TV. Portanto ou via os jogos em restaurantes ou Cafés, ou dependia da hospitalidade de uma amiga para os ver mais bem instalado. Recordo a participação de Portugal: uma vitória de 1-0 contra a Inglaterra, imerecida, com o jogo todo à defesa; uma derrota de 0-1 contra a Polónia, talvez imerecida, com o jogo repartido; uma exibição miserável contra Marrocos, derrota 1-3 e eliminação. Depois zangaram-se as comadres. Mas não me alongarei sobre os conflitos que se prolongaram durante meses, na busca de "culpados". A melhor selecção foi incontestavelmente a Argentina, que tinha Maradona no auge da carreira, e ainda tinha médios como Burruchaga ou Giusti, um avançado da qualidade de Valdano, e Brown a comandar a defesa (o qual viria ainda a marcar, de cabeça, o primeiro golo da final contra a Alemanha, que a Argentina ganhou 3-2). A França, com Platini, Tigana e Giresse num meio campo de elevado índice técnico despachou o Brasil nos quartos de final, com 1-1 e vitória nos penaltyes. Talvez cansados desse jogo intenso foram atropelados, 2-0, por uma Alemanha inferior, que de novo (como quatro anos antes) os eliminou na meia final. A Alemanha tinha Rumennigge e Allofs na frente e tinha uma defesa coriácea, com Stielike e Forster a centrais, mas não tinha mais nada. O 4º classificado foi a Bélgica com um contra-ataque afinado e o melhor guarda-redes do mundial: Pfaff. O México de Hugo Sanchez (o agressivo e acrobático avançado que marcou uma época no Real Madrid) chegou apenas aos quartos de final, apesar de jogar em casa. E não me recordo de mais nada relevante.
A partir de 86 passou a ficar claro que uma coisa é jogar um grande futebol, outra é ganhar a Copa do Mundo*. Grande futebol jogaram a Dinamarca e a URSS. A Dinamarca "passou-se" com a Espanha em que esteve a ganhar e a merecer golear, até uma das suas estrela fazer um atraso ao guarda-redes (sim, houve um tempo em que era permitido) interceptado por Butraguenho, que assim marcaria o primeiro de 4 golos. Um anónimo operador da TVE aproveitou para escrever PSOE nos ecrans. A URSS (na verdade a equipa do Dinamo de Kiev, reforçado por um ou dois jogadores) foi eliminada por uma equipa de fiscais de de linha (era assim que se chamavam nessa época): 3 golos da Bélgica em fora de jogo é obra. A França e o Brasil tinham boas equipa e jogavam bem: encontraram-se nos quartos de final num bom e emociante jogo. Ganharam os franceses nos penalties de um jogo equilibrado, talvez com ligeira supremacia dos brasileiros. Foi um jogo de falhanços: Zico falhou um penalty durante o jogo, Platini nos penalties. Sócrates deve ter tido o maior falhanço da sua carreira, já no prlongamento, só, na pequena área, sem guarda redes na baliza, deixou passar por entre as pernas um cruzamento rasteiro.
Cansada ou convencida, a França perdeu a meia final com uma Alemanha nitidamente inferior.
Reparo agora que não falei da campeã: a Argentina era uma verdadeira equipa, de 10 jogadores médios e um Maradona em puro estado de graça. Marcou neste Mundial aguns dos melhores golos de sempre, sobretudo nos jogos com a Inglaterra e a Bélgica. Para além do golo com a mão. Ma final, marcado homem a homem por Mathaeus (!) quase não jogou. Mas também não foi preciso: uma estranha tremideira apoderou-se da Alemanha e José Luís Brown defesa central e, com Valdano e Burruchaga, os melhores dos outros marcou o único golo da sua carreira em frango de Schumacker. Dois cantos deram dois golos aà Alemanha, mas Maradona ainda conseguiu fazer um pase que isolou Burruchaga para fazer o 3-2 final.
Foi o princípio do futebol actual: como diz Parreira, "jogar bonito é ganhar"
*Os brasileiros é que têm razão: o mUndial é uma "Copa" ou seja, uma "Taça", uma competição a eliminar, e não um "campeonato" uma competição de "todos contra todos"
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Cansada ou convencida, a França perdeu a meia final com uma Alemanha nitidamente inferior.
Reparo agora que não falei da campeã: a Argentina era uma verdadeira equipa, de 10 jogadores médios e um Maradona em puro estado de graça. Marcou neste Mundial aguns dos melhores golos de sempre, sobretudo nos jogos com a Inglaterra e a Bélgica. Para além do golo com a mão. Ma final, marcado homem a homem por Mathaeus (!) quase não jogou. Mas também não foi preciso: uma estranha tremideira apoderou-se da Alemanha e José Luís Brown defesa central e, com Valdano e Burruchaga, os melhores dos outros marcou o único golo da sua carreira em frango de Schumacker. Dois cantos deram dois golos aà Alemanha, mas Maradona ainda conseguiu fazer um pase que isolou Burruchaga para fazer o 3-2 final.
Foi o princípio do futebol actual: como diz Parreira, "jogar bonito é ganhar"
*Os brasileiros é que têm razão: o mUndial é uma "Copa" ou seja, uma "Taça", uma competição a eliminar, e não um "campeonato" uma competição de "todos contra todos"
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