6.6.06

 

México 70 (RPS)

As aulas acabavam por volta do 10 de Junho, mas os meninos - quer os da infantil quer os da primária - podiam passar os dias até final desse mês e todo o mês de Julho no colégio. Era um tempo fantástico. Não havia praia, como, lamentavelmente, passou a haver uns anos depois, e as horas eram ocupadas com muitas brincadeiras no recreio e umas aulas diferentes, com meninos e meninas de todas as classes juntos. Acho que fazíamos aquilo que agora se chama actividades não-lectivas. Modernices...

Eram muito menos meninos que nos outros meses do ano e eu não entendia porque razão a maioria não ia para o Colégio. Também não me preocupei muito com isso e resolvi curtir o momento, à sombra do êxito de ter feito a primeira classe com uma prova final muito elogiada lá em casa. Só no ano seguinte levantei o problema, tendo a minha Mãe explicado que era preciso pagar e que nem todos os pais podiam. Achei que os meus Pais eram ricos e senti-me um verdadeiro previlegiado.

Naquele Junho/Julho, apercebi-me de que alguns meninos - alguns dos meninos mais grandes - falavam muito de futebol. Será que também vão com o avô e o tio deles às Antas? - pensei para mim... Redobrei a atenção e retive dois nomes que eles repetiam muito: Pelé e Jairzinho. Pus a hipótese de serem jogadores do Porto. Na verdade, não sabia muitos nomes: Pavão, Rolando, Bernardo da Velha, Custódio Pinto... Só quatro nomes sabia eu e eles, os jogadores do Porto no campo, eram muitos mais. É isso, devem ser jogadores do Porto - pensei.

Tudo se esclareceu numa tarde de domingo, ali num apartamento em Costa Cabral, em casa de amigos dos meus Pais. Estranhamente, os homens interromperam o tradicional jogo de cartas e as mulheres cederam-lhes os sofás. Os filhos dos amigos dos meus Pais, todos mais velhos, também falavam em ver a final e falavam também no Brasil, no Pelé e no Jairzinho. Comecei a fazer perguntas, redobrei a atenção nas conversas e percebi minimamente o que se passava. Concluí, desde logo, que havia futebol sem o Futebol Clube do Porto.

Não me concentrei muito no jogo, seduzido pelos brinquedos que os outros, de súbito, tinham deixado livres. Mas retive alguma informação: que aquilo era a final do Campeonato do Mundo, que o Brasil era uma equipa fabulosa e tinha ganho o campeonato e que Portugal não entrava porque "somos uns nabos", segundo disse um dos amigos do meu Pai...
Retive duas imagens: Jairzinho a festejar um golo, benzendo-se, e um jogador a receber uma Taça, no meio de grande euforia.
Nesse dia percebi, também, que Pelé e Jairzinho dividiam opiniões:
- Qual Pelé, qual quê?! O Jairzinho é o melhor deles todos!
- Desculpa lá, pá... O Pelé é o Pelé!

No dia seguinte, junto dos meninos mais grandes, disse alto: ontem vi o Brasil. É campeão do mundo...
Na altura, não conhecia a expressão "estar a cagar para...". Mas foi isso que eles me fizeram.

Comments:
Delicioso...
 
Uma história tocante. Dois anos mais velho vi quatro ou cinco jogos desse Mundial, designadamente o Inglaterra 2 -Alemanha Ocidental 3, no dia da minha comunhão solene. O Brasil de Pelé, Gerson, Rivelino, Jairzinho e Carlos Alberto será, talvez, a melhor equipa de todos os tempos.
 
Pois eu não me lembro nada desse campeonato. Tinha dez anos e tudo o que me preocupou nesse Verão foi a morte do Senhor Professor Oliveira Salazar, a 27 de Julho.
 
Os miúdos agora são tão mais espevitados! É claro que desta vez o entusiasmo pela selecção nacional é muito maior do que na altura... Esperemos que também estes não sejam uns nabos e os nossos miúdos possam assistir a uma final com os nossos jogadores!
 
Delicioso naco de prosa, que me fez transportar para a essência da minha (da nossa, RPS) infância. Duas ou três notas a propósito desse Mundial (e das férias do Cortiço)
1. Comecei por não me lembrar se era dos que ia ou não para o colégio, mas depois caí em mim: em Julho, eu ia para Espinho, um mês inteirinho na praia, de casa alugada e tudo. Só mais tarde, em plena adolescência, se deixou de alugar casa, de modo que me lembro perfeitamente ver a final de 74 em Espinho.
2. Constato que já naquela altura levava o futebol (eu disse o futebol, não o FCP ou o Sporting) mais a sério. Tinha um trato com os meus pais: durante a semana só podia ver a 1ª parte, ao fim de semana os jogos todos. Lembro-me, por exemplo, da 1ª parte de um Brasil-4 Perú-1, em que o Perú marcou primeiro, com um golo do teu ídolo Cubillas. No dia da final estava absolutamente certo da vitória do Brasil. Lembro-me particulamente bem do 1º golo (Pelé) e do 4º (Carlos Alberto)!
Em suma, RPS, estiveste bem e este é um grande poste!
PS1 Uma recordação adicional deste Mudial foi um nº da manchete que andou anos por minha casa e festejava a conquista da Taça Jules Rimet (era o tri) e dava conta dos festejos em várias cidades brasileiras. Noutros artigos, quem soubesse (não era, bem entendido, o meu caso, podia vislumbrar o apogeu do regime militar e da repressão;
PS2 Uma das minhas melhores recordações da infância: uma 6ª feira à noite em que me foi permitido assistir ao torneio de tiro aos pratos na Quinta dos Themudos em frente a minha casa, enquanto se faziam horas para o jogo do Mundial. Que jogo seria ?
PS3 O meu jogador preferido: Tostão
 
Muito, muito bom. E isto sobre futebol (para mim é obra). E agora, em tom de provocação, quando perdeste de vista a noção de que havia mais futebol para além do FCP? ;)
 
o k vale é que foi nesse instante que percebeste o significado da "magia do futebol".
cresceste em cultura!!!
 
RPS,
Deve ter sido este um dos melhores posts sobre futebol que eu já li...
Obrigada, deste gostei imenso.
De tudo, excepto duma pequena frase que, me pareceu, a mim que não sou psicóloga, que eras um bocadinho tímido, nessa altura...
Mas já deves estar curado e bem curado.
Até já sabes novas expressões...
É a evolução - mal de quem não evolui...
 
isto é quase um livro, rps :)
 
Muy bien! Tenho esse tipo de recordações em relação à Espanha 82 - o Naranjito... muito diluídas, mas existentes! Bejus de Beja! ;)
 
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