15.3.06

 

Há vidas que davam filmes (RPS)

A vida de Sita Valles dava um filme.
Como um filme dariam os acontecimentos do 27 de Maio de 77, em Luanda, aos quais esteve profundamente ligada e que lhe custaram a vida, num pelotão de fuzilamento.
Conheci a história de Sita em 1992, através de um trabalho da jornalista Felícia Cabrita, no Expresso. São os dados que ainda tenho. Não sei se, durante estes quase catorze anos que passaram, surgiram novas pistas sobre o mistério do seu desaparecimento. Presumo que não. O corpo de Sita nunca terá mesmo aparecido.

Sita nasceu no início da década de 50, em Angola, onde o pai, de origem goesa, se tinha instalado, depois de concluído o curso de Agronomia, em Lisboa. Revelou-se, em criança e no início da adolescência, uma quase fanática relegiosa. Acreditava em Deus e nos Santos de modo extremo, tal como, uns anos depois, acreditava em Mao. E, pouco depois, em Marx e Lenine. Um amigo disse, uma vez, que Sita, como não sabia viver com a dúvida, tinha sempre certezas...

Antes da entrada actividade política, Sita agitou os meios mais conservadores da Luanda dos anos sessenta com atitudes tidas por ousadas, como, por exemplo, o uso de mini-saias que mostravam umas pernas esplendorosas. Tinha um qualquer magnetismo, dizem múltiplos testemunhos. Filhos de boas famílias coloniais e meia Faculdade de Medicina de Luanda andavam de cabeça à roda com ela. Por causa dela.
Rezam as crónicas que assim continuou a ser em Lisboa, a partir de 70 ou 71. Aproximou-se do PCP, aderiu à UEC e acabou por ser, na estrutura estudantil do PC, a "número dois" de Zita Seabra. Essa mesma.

Para Sita, o 25 de Abril depressa se tornou uma desilusão. Ela sonhava com "A Revolução" e, afinal, tudo não passara de um mero golpe militar, seguido de jogos políticos de gabinete. A "brasa" de 75 era coisa pouca para ela e decidiu, assim, regressar a Angola. Ela queria fazer uma revolução a sério.

Regressou, entrou no MPLA e aderiu, com Nito Alves e José van Dunen (o homem com quem, entretanto, casara e de quem tinha já um filho) à ala contestatária do líder, o facínora Agostinho Neto.
A 27 de Maio de 77, vários militares e população ocuparam quartéis em Luanda. Era uma das alas do MPLA a exigir mudanças a Neto. Este deu ordens aos seus fiéis e às tropas cubanas que parassem o movimento, sem olhar a meios.
Não olharam a meios e tombaram os corpos. Alguns de imediato, em pelotões de fuzilamento, junto a valas comuns abertas em cemitérios ou onde calhasse.

Sita fugiu. Três meses depois, uma imprevidência fez com que fosse capturada. Foi presa, torturada e violada pelos verdugos de Agostinho Neto.
Sita recusou a venda nos olhos, para poder olhar de frente o pelotão de fuzilamento. A cabra parecia que não queria morrer, gaba-se, nessa noite, um português das fileiras da DISA, a Direcção de Informação e Segurança de Angola.

A vida de Sita Valles dava um filme.

Comments:
Não sei se dava um filme mas que deu um bom post, lá isso deu!
 
sem dúvida um excelente filme. uma mulher apaixonada e apaixonante.
lutar por uma causa, é qualquer coisa...que admiro. e não avalio, agora, a "validade" da causa.
gostei de conhecer sita.por aqui.
 
Admirável, a Sita

Que saga ! Que exemplo ! Que feia !

E se calhar até fodia bem...

Digo isto, sem malícia e com todo o respeito

Afinal, somos homens e bichos...

E se calhar...(cala-te porco...)
 
Se o Manoel de Oliveira pega nela - "Sita a mulher que ninguém cita" - faz é um filme que dura uma vida

E o texto teria de ser da maior chatarrona da língua: Agustina, essa velha bruxa que tem pacta com o mafarrico, "Coisa Ruim"

Sibila tenebrosa. Sibila sibilina

Receio que seja ela a detentora do filtro que mantem imortal o matusalém das lusas fitas looooongas
 
Se o Manoel de Oliveira pega nela - "Sita a mulher que ninguém cita" - faz é um filme que dura uma vida

E o texto teria de ser da maior chatarrona da língua: Agustina, essa velha bruxa que tem pacta com o mafarrico, "Coisa Ruim"

Sibila tenebrosa. Sibila sibilina

Receio que seja ela a detentora do filtro que mantem imortal o matusalém das lusas fitas looooongas
 
essa capa do Expresso já é muito antigo, não é? Uns anitos... Lembro-me dela cá em casa, mas na altura não li a reportagem. Mas há imagens que ficam, e pela tua descrição, há histórias de vida que ficam também.
 
Um facínora, Agostinho Neto.
 
As Martin Luther King Jr. said after Malcom X passed away: "we have not yet learnt to be disagreeable wihtout being violently disagreeable!".
End of Quote!
 
Sita, uma Arajaryr Campos - a brasa-uca que desafiou Salazar - do sub-continente indiano...
 
Lá dar um filme, dava de certeza. E quem sugeriu Manoel de Oliveira, lembrou bem. Ainda sinto a longa agonia do dia em que vi (há que anos), "Benilde ou a virgem mãe".
Juízos de valor sobre Sitra não faço, que não sei dela o suficiente.
Já se fosse sobre a Zita Seabra, que é aí focada "en passant", oh la la ...
 
Um belo filme...eu pessolamente acho que seria mais fascinante um livro...Há certas histórias que nos envolvem mais quando lidas do que quando vistas no grande ecran.
Bem, enquanto não há livro, nem filme...deliciei-me ao ler o teu post...Belo post...Bela Sita...
Beijo terno.
 
Um belo filme...eu pessolamente acho que seria mais fascinante um livro...Há certas histórias que nos envolvem mais quando lidas do que quando vistas no grande ecran.
Bem, enquanto não há livro, nem filme...deliciei-me ao ler o teu post...Belo post...Bela Sita...
Beijo terno.
 
porra, mas anda tudo tolo com gajas de bigode?

primeiro são os nossos viajantes a irem ver os quadros da gaja com uma ferida e um calo...

agora o RPS a poustar sobre uma gaja que parece um trans...

dass!
 
Confessa, ficaste fascinado com as pernas da Sita!
 
Ah, pois é...com umas trancas daquelas deve ter atraído até o Mangalhatana...autóctone pincel e maravilhoso artistão

E por flar em pincel - a gaja amanda cá um picel no buço que faz vergonha ao Kaiser Guilherme que-Deus-haja !!!
 
"A cabra parecia que não queria morrer, gaba-se, nessa noite, um português "

O Tuga em questão roubou essa frase ao Sly ou ao Arnold:

"What a fuck ! The bitch won't die !!!!
 
Caro RPS,
percebe-se que estiveste a arrumar a casa e a deitar papelada fora. Boa iniciativa... tenho de fazer o mesmo. Acumula pó e as alergias vêm aí.
 
Aí está um belo post.E seguramente uma vida vivida sem meias medidas.
Só duas lembranças: lembro-me da reportagem do Expresso ( do tempo em que comprava o Expresso ) que era excelente. O que também quer dizer que a Felícia Cabrita nem sempre foi a escriba de serviço às Casas Pias deste país. Já agora, se a memória não me atraiçoa, as fotos do interior faziam justiça à apregoada beleza da protagonista
 
Ó Mcjaku:

As fotos do interior faziam justiça à bigodaça ?

Caramba se era assim lá em cima, o que seria...(cala-te banadalho)
 
Desconhecia... belo post!!
 
Power to the Women!!!!!
 
Penso que era uma revolucionária fanática! Vivia com muitas certeza!
Naquela altura houve muitas vidas que davam um filme, com os sem pernas bonitas, eram tempos conturbados e cheios de ideais (conhecimento de causa e efeito - familiares e amigos).
 
Contudo, devo dizer que admiro a determinação dessa mulher em Tempos tão Bárbaros!
 
Não conhecia esta história. Obrigada por partilhares!
 
e assim me curvo....por um post excelente....por uma história bem contada....por um filme incomun.

beijo.
 
Mendes Ferreira: menos panasquice, se faz favor!
 
A Catarina Eufémia dos pretos é bué da feia

Enfim, em Africa. Numa necessidade. De noute...
 
belo texto

mas há tantas vidas, para tão poucos filmes.............


jocas maradas
 
A agonía de ver Oliveira??!!! Agonía é ir ao cinema e levar com telenovela!!!
 
Bom post men!
 
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