1.12.05

 

Em memória de Al Berto














vieste dos remotos desertos africanos onde
semeaste tormentos e filhos negros

enrolas-te agora no pano ardido do tempo
de lisboa - rasgas em tiras dolorosas o sonho
e tentas navegar pelos sucalcos dos mares

mas a saudade pelos que partiram e agora
se aproximam desta voz - vêem
um império de navios vazios

e tu
sob o cruel - perdido de olhar em olhar
jogando a vida contra o sujo casco dos cacilheiros
vagueias
pelos becos à procura de um rosto que imite
a felicidade da voz perdida - ou um corpo qualquer
para fingir o sono junto ao teu

mas lisboa é feita de fios de sangue
de províncias
de esperas diante dos cafés
de vazio sob um céu plúmbeo que ensombra
os jardins de estátuas partidas

há um pressentimento de sono sem fim
refugias-te num quarto de pensão e dormitas
o dia todo- para que lisboa te esqueça

("lisboa(4)", do livro Horto de Incêndio, Assírio & Alvim, 97)

al berto morreu de uma doença que hoje combatemos sem muito sol previsto. Neste livro encontra-se um poema com o nome dessa praga. Preferi buscar a sua Lisboa. Também a minha, se não se importam.
A foto é de João Caetano Dias para Escrita com Luz.

Comments:
... nem a proposito, a antologia de a Al Berto é um dos livros da minha listinha para as ferias de Natal...

Abracicos!
 
Um enorme escritor, sem dúvida!
 
"daqueles que amamos e não voltaram a telefonar"
 
gosto de al berto
gostei de ler
jocas maradas
 
É isso gaja. Na mouche.
 
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