9.9.05

 

Dance, Dance, Dance

Ir a um clube de jazz nos Estados Unidos pode ser uma decepção.
Digo-vos isto com alguma ligeireza, porque não tenho a percepção de todo o país. Mas faço-o porque senti-me defraudado com o que vi no Blue Note, em Nova Iorque e no Preservation Hall, em New Orleans.

No primeiro impera o marketing. O Blue Note já não é uma referência de originalidade,mas serve de altar. O turista com ouvido pouco exigente sairá de lá satisfeito (eu até trouxe uma miniatura de um piano) e os donos da casa também - a cerveja é caríssima. É como ir emborcar para o Pavilhão Chinês em Lisboa.

No segundo a coisa é diferente. É provavelmente o clube de jazz mais aceitável dos tradicionais. Mas uma coisa me chocou de início. Acreditam que é proibido fumar naquele antro ? Como é que é possível que isso aconteça num clube de jazz ?

Tocava a Preservation Hall Band - uma espécie de vinho da casa para paladares mais uma vez turísticos. Se calhar a culpa é minha, por ser exigente. Mas não há pachorra para ouvir "ad nauseum" aquele jazz batido de origem. E porquê ?

Ora, porque o mais interessante na tradição original do jazz é, na minha opinião, o brass. Ou seja, a versão de banda amovível, mais próxima das nossas charangas. O jazz surgiu assim, nas praças e nas ruas e não nos clubes. Quando depois começa a ser socialmente aceite, então sim o jazz começa a institucionalizar-se, surgindo por exemplo mais pianistas como Jelly Roll Morton.

É preciso notar que a New Orleans inculta e negra foi a mesma que gerou o jazz. Primeiro com os franceses, depois espanhois, a seguir em manadas de escravos, a cidade foi ganhando camadas de creoulice e indisciplina capaz de suportar uma música que, de todas as existentes, ainda é a que mais extraordinariamente se segura na criação, de véspera ou no momento.



Reza a lenda que este caldo de grandes comezainas, música em cada canto e muita, muita dança de rua (o jazz dança-se, há quem o esqueça) fez o primeiro governador americano da Louisiana exclamar que a cidade era ingovernável devido à tendência irreprimível para o pezinho de dança.

Aquela gente não se rende. Nem às águas. Nem às evidências.

Nota: O quadro retrata a Imperial Orchestra, uma dessas bandas da New Orleans de viragem do século. Com este artigo termino a revisitação dessa cidade.


Comments:
Podes crer meu caro, que New Orleans poderá renascer das cinzas... O espírito está lá, não morre. Mas permite-me dizer que sou mais admiradora do jazz dito tradicional. É, como dizes, nesse "caldo de grandes comezainas" que se apurou aquilo que agora(ainda)ouvimos um pouco por todo o lado. Não sou uma melómana com a especialidade do jazz, mas confesso que um dos meus sonhos era percorrer aquelas avenidas cheias de história e musicalidade (que também tem um pouco de portugalidade) que espero ainda possam ser revisitadas em New Orleans...
 
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