15.8.05
Fui lá, finalmente! (RPS)
Andei mais de duas décadas a dizer que um dia iria lá. Fui, finalmente! E quero voltar para o ano.
Subir a Senhora da Graça não é, de facto, para qualquer um. Tinha consiciência disso quando às 10 da manhã de sábado cheguei ao Marquês e me sentei no "supersónico" Mercedes do meu amigo Paulo Teixeira. Queríamos ver a partida da etapa em Celorico, e tê-lo-íamos conseguido tranquilamente, não fora o "pára-arranca" a dois quilómetros das portagens da A4. Aos ponhonhós juntaram-se os invejosos, aqueles automobilistas que não têm Via Verde, mas se mantêm na faixa da esquerda até junto das cabines de portagem, numa lógica de "se eu tenho de esperar, vocês também podem esperar". Era a tiro. Ou queimados vivos, atados a uma árvore.
Em Celorico, ainda vimos a concentração da meta. Profundo conhecedor do terreno, Paulo Teixeira guinou o Mercedes para outras paragens, em busca de melhor ponto de observação. Esqueceu-se ele de que há mais celoricenses expeditos. Ficámos barrados, mas paciência: o principal não perderíamos nós.
Seguimos de imediato para Mondim e verifiquei, então, quanto é agreste o clima no exterior de um Mercedes. Mal passava do meio-dia, estava um bafo de 35 graus. Mercedes estacionado e juntamo-nos a uma das melhores equipas da Volta: José Ferreira, Alexandre Santos e Joaquim Vieira, a equipa da RR. E inicamos a escalada.
Não tenho palavras para descrever o clima que se vivia por aquela encosta. Elementos da organização ainda montavam as metas e placards publicitários e já milhares de pessoas andavam por ali. Muitos, em tendas, tinham lá passado a noite e perfilavam latas e garrafas de cerveja na berma da estrada. Muitas latas, muitas garrafas.
Outros faziam piqueniques e, por isso, cheirava a febra e frango.
Muitos cicloturistas mostravam que passaram ao lado de grandes carreiras, pedalando por lá acima. Outros seguiam a pé. Coitados, pensei, ainda bem que este carro tem livre-trânsito.
Tinha, mas não dava acesso lá ao topo. Éramos obrigados a ficar pelo parque fechado e fazer o resto da escalada a pé. Um quilómetro, disseram os entendidos. Pelos meus cálculos, seriam dois. Quando cheguei ao fim, era capaz de jurar que tinha sido dez. Dez quilómetros, no mínimo. Julgava eu que tinha as pernas doridas. Só no dia seguinte percebi que aquelas dorzitas da véspera eram uma brincadeira. O ácido lácteo tinha-se acumulado em doses industriais...
Pelo caminho, um veículo oficial da Organização da prova passou por mim e pelo Quim Vieira (éramos os em pior forma do nosso grupo) e buzinou para um magote de adeptos que seguia mais pelo meio da estrada. Ouviram-se todos os impropérios: "filhos da puta! ides aí no fresquinho e a gente aqui é que faz o espectáculo, oh seus caralhos!".
Não há dúvida de que os adeptos são essenciais naquele espectáculo. No momento em que o Cândido Barbosa passou pelo camisola amarela, foi impressionante o "bruá" que os milhares de pessoas produziram e que ecoou naquela encosta.
Mas o papel principal é, claro, dos ciclistas. Impressionante a força dos melhores, admirável o esforços dos menos capazes. Quase meia-hora após o primeiro ter cortado a meta, ainda via chegar ciclistas. Exauridos.
Assisti à festa do pódio e ainda vi chegar o último, 47 minutos e trinta e quatro segundos depois do primeiro. Desfalecia, chamaram um médico. Merece que refira o seu nome: Jorge Costa. Era o dorsal 26, corredor da Imoholding-Loulé. Para mim é tão herói como os outros.
E a festa da Senhora da Graça tinha chegado ao fim. Começa bem cedo, de véspera, mas sabe a pouco. É que embora os preliminares se prolonguem, chega-se ao climax e fica uma sensação de efémero. Uma hora depois, a Senhora da Graça só não é um deserto porque estão lá os elementos da organização a desmontar as metas e os placards publicitários e alguns jornalistas a enviar serviço para as redacções. É preciso esperar mais um ano.
Nunca subscrevi aquela máxima de que um homem, para ter uma existência plena, tem de escrever um livro, ter um filho e plantar uma árvore. Entendo, aliás, que uma existência plena dispensa, até, estas três premissas e depende de uma série muito maior de outras. Algumas não me atrevo a mencionar, mas há uma que acabo de comprovar como certa: pode um tipo ter tido muito sucesso na vida, mas teve uma existência incompleta se for desta para melhor sem ter ido à Senhora da Graça.
Subir a Senhora da Graça não é, de facto, para qualquer um. Tinha consiciência disso quando às 10 da manhã de sábado cheguei ao Marquês e me sentei no "supersónico" Mercedes do meu amigo Paulo Teixeira. Queríamos ver a partida da etapa em Celorico, e tê-lo-íamos conseguido tranquilamente, não fora o "pára-arranca" a dois quilómetros das portagens da A4. Aos ponhonhós juntaram-se os invejosos, aqueles automobilistas que não têm Via Verde, mas se mantêm na faixa da esquerda até junto das cabines de portagem, numa lógica de "se eu tenho de esperar, vocês também podem esperar". Era a tiro. Ou queimados vivos, atados a uma árvore.
Em Celorico, ainda vimos a concentração da meta. Profundo conhecedor do terreno, Paulo Teixeira guinou o Mercedes para outras paragens, em busca de melhor ponto de observação. Esqueceu-se ele de que há mais celoricenses expeditos. Ficámos barrados, mas paciência: o principal não perderíamos nós.
Seguimos de imediato para Mondim e verifiquei, então, quanto é agreste o clima no exterior de um Mercedes. Mal passava do meio-dia, estava um bafo de 35 graus. Mercedes estacionado e juntamo-nos a uma das melhores equipas da Volta: José Ferreira, Alexandre Santos e Joaquim Vieira, a equipa da RR. E inicamos a escalada.
Não tenho palavras para descrever o clima que se vivia por aquela encosta. Elementos da organização ainda montavam as metas e placards publicitários e já milhares de pessoas andavam por ali. Muitos, em tendas, tinham lá passado a noite e perfilavam latas e garrafas de cerveja na berma da estrada. Muitas latas, muitas garrafas.
Outros faziam piqueniques e, por isso, cheirava a febra e frango.
Muitos cicloturistas mostravam que passaram ao lado de grandes carreiras, pedalando por lá acima. Outros seguiam a pé. Coitados, pensei, ainda bem que este carro tem livre-trânsito.
Tinha, mas não dava acesso lá ao topo. Éramos obrigados a ficar pelo parque fechado e fazer o resto da escalada a pé. Um quilómetro, disseram os entendidos. Pelos meus cálculos, seriam dois. Quando cheguei ao fim, era capaz de jurar que tinha sido dez. Dez quilómetros, no mínimo. Julgava eu que tinha as pernas doridas. Só no dia seguinte percebi que aquelas dorzitas da véspera eram uma brincadeira. O ácido lácteo tinha-se acumulado em doses industriais...
Pelo caminho, um veículo oficial da Organização da prova passou por mim e pelo Quim Vieira (éramos os em pior forma do nosso grupo) e buzinou para um magote de adeptos que seguia mais pelo meio da estrada. Ouviram-se todos os impropérios: "filhos da puta! ides aí no fresquinho e a gente aqui é que faz o espectáculo, oh seus caralhos!".
Não há dúvida de que os adeptos são essenciais naquele espectáculo. No momento em que o Cândido Barbosa passou pelo camisola amarela, foi impressionante o "bruá" que os milhares de pessoas produziram e que ecoou naquela encosta.
Mas o papel principal é, claro, dos ciclistas. Impressionante a força dos melhores, admirável o esforços dos menos capazes. Quase meia-hora após o primeiro ter cortado a meta, ainda via chegar ciclistas. Exauridos.
Assisti à festa do pódio e ainda vi chegar o último, 47 minutos e trinta e quatro segundos depois do primeiro. Desfalecia, chamaram um médico. Merece que refira o seu nome: Jorge Costa. Era o dorsal 26, corredor da Imoholding-Loulé. Para mim é tão herói como os outros.
E a festa da Senhora da Graça tinha chegado ao fim. Começa bem cedo, de véspera, mas sabe a pouco. É que embora os preliminares se prolonguem, chega-se ao climax e fica uma sensação de efémero. Uma hora depois, a Senhora da Graça só não é um deserto porque estão lá os elementos da organização a desmontar as metas e os placards publicitários e alguns jornalistas a enviar serviço para as redacções. É preciso esperar mais um ano.
Nunca subscrevi aquela máxima de que um homem, para ter uma existência plena, tem de escrever um livro, ter um filho e plantar uma árvore. Entendo, aliás, que uma existência plena dispensa, até, estas três premissas e depende de uma série muito maior de outras. Algumas não me atrevo a mencionar, mas há uma que acabo de comprovar como certa: pode um tipo ter tido muito sucesso na vida, mas teve uma existência incompleta se for desta para melhor sem ter ido à Senhora da Graça.
Comments:
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Grande texto, RPS!
Não sou o maior fã de ciclismo e talvez não trocasse uma tarde de praia pela última etapa da volta à merdaleja, mas até me deu vontade de um dia lá ir ver a subida da serra.
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Não sou o maior fã de ciclismo e talvez não trocasse uma tarde de praia pela última etapa da volta à merdaleja, mas até me deu vontade de um dia lá ir ver a subida da serra.
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