23.6.05

 

Palmas nos enterros (RPS)

A série recente de mortes de figuras públicas mostrou definitivamente, se necessário ainda fosse, que a moda dos aplausos nos enterros pegou de vez.
Não é necessário recuar trinta anos. Basta dez, doze, não mais de quinze
anos: os apalusos nos cemitérios ouviam-se nos funerais dos actores e actrizes de teatro. Tratava-se de um tradição exclusiva do mundo do Teatro, um mundo repleto de rituais próprios, exclusivos.

Conheço mal, não me fascina esse mundo, nem sequer sou muito de estar numa plateia, frente ao palco... Mas sei, por exemplo, que no Teatro não se deseja "boa sorte". Numa ocasional visita aos bastidores de uma peça, soube que os actores e outros envolvidos dizem uns aos outros "muita merda".
Presumo que os ingleses dizem "break a leg". Lá como cá, por superstição.

Houve palmas no funeral de Laura Alves, mas não houve no de Sá Carneiro.
Houve palmas no funeral de Ivone Silva, mas não houve no de Pedro Homem de Melo. Estou certo de que houve palmas nos funerais de Vasco Santana, António Silva ou Maria Matos, mas estou certo de que não houve nos do Comandante Gago Coutinho, no de Oliveira Salazar ou no de Calouste Gulbenkian.
Agora não é assim. Há palmas para todo o morto que, em vida, tenha alcançado o estatuto de "figura pública".

É uma moda de terrível mau gosto. Já ouvi ou li que é assim porque hoje o maior espectáculo do mundo já não é o circo, mas a morte. Faz algum sentido, mas a explicação parece-me "curta".
Na morte, a Igreja Católica propõe aos que ficam a esperança na Ressureição.
É, aliás, uma mensagem central da Fé dos católicos, por isso sempre repetida. A par de outra: mais do que chorar a morte, "dêmos Graças ao Senhor pela vida que este irmão teve e partilhou connosco".

Porque a influência do catolicismo na nossa sociedade atinge todos - crentes, não crentes, bons e maus praticantes, ateus, agnósticos, beatos e mata-frades - podem as palmas nos enterros ser explicadas por esta ideia-força de celebrar a vida em alternativa a chorar a morte. É uma proposta que, independente do sentido mais profundo que possa ter à luz da Fé católica, vem ao encontro das necessidades de uma sociedade - e de um tempo - que lida mal com a morte. Muito mal, cada vez pior.

Num tempo de apelo constante e permanente ao sucesso e ao êxito, a morte é a prova inexorável do falhanço, do insucesso a que estamos todos condenados.
Bater palmas, no enterro, à figura pública é uma forma das pessoas fingirem que não está ali um morto, mas um vencedor. É uma estratégia para o homem de hoje, que não quer aceitar a inevitabilidade do seu próprio falhanço, se convencer de que não há derrota.

Comments:
Sempre que há um morto importante faz-se o tal minuto de silencio nos estádios de futebol. e há sempre aqueles idiotas que começam aos berros, aos assobios, a dizer "Baía à selecção" ou a bater palmas.
mas engraçado foi quando morreu o papa, the pope. exceptuando o facto de eu e o barbed não termos conseguido controlar o riso quando o homem da corneta começou a tocar, houve um silêncio sepulcral no estádio do Dragão. no fim eu comentei com ele: "olha o povo todo borrado! ai não, para eles o homem que morreu está demasiado perto de dEUS".
 
"A gente do teatro" (de revista) é das coisas mais desprezíveis que há.
 
É isso e os velórios à norte-americana com empadinhas e bolinhos. É isso e as palmas serem dadas à figura pública quando já não as pode ouvir.
 
Citando de memória, Funes, num dia feliz: "se o tatro de revista não existisse o mundo nada sentiria"

Eu, BENVINDO MINHOCAS, o registei, para a posteridade, "Ad perpetuam rei memoriam"
 
Não concordo com o seu ponto de vista, RPS.
Bater palmas aos mortos, figuras públicas ou não, é somente uma manifestação de que se gosta. Não de que se gostou. De que se gosta. De que se vai continuar gostando, independentemente do fim. De que a actuação nos vai deixar saudade. De que admiramos a sua presença em palco. No do teatro ou no da vida. Tanto faz.
Aplaudimos porque gostamos. Com a diferença de que, por muito que tenhamos gostado, os mortos não podem voltar, pela segunda vez, ao palco. Com a diferença de que não podemos pedir bis.
Importado ou não do teatro para a vida real, o gesto agrada-me. E não lhe encontro nenhuma máscara, nenhum vestígio de estratégia sonora para ensurdecer o sofrimento ou diluir a derrota. Para betonar a memória.
Porque há-de ser entendida como uma derrota, a morte?
E nem sequer enquadro a pergunta num contexto de religiosidade.
A morte, como sabe, é encarada de diversas formas pelas múltiplas culturas. Há quem vista o negro ou o branco para exteriorizar o luto. Há quem chore mas há também quem a festeje. Há quem lamente mais a morte de um jovem – tanto para viver! - mas há quem lamente mais a morte de um velho – tanto que se perde! Depende.
Creio que o bater palmas aos mortos é apenas a expressão de um antropocentrismo mais afectivo e desinibido do que o sucedeu, séculos atrás, ao teocentrismo.
Independentemente da importância que as palmas assumem para os actores que, desta forma, têm o feed-back do seu desempenho ou até mesmo o coroar da sua actuação, entendo que as palmas são uma manifestação de agrado para qualquer mortal de qualquer idade.
Se reparar, bate-se palmas ao filho que comeu a sopa toda, ou deu os primeiros passos. Bate-se palmas quando se apagam as velas do aniversário – e o que não é um aniversário se não mais um passo para a morte? Ai de nós se vivêssemos com esta inevitabilidade presente. Ainda bem que é uma certeza que se ausenta e, tantas vezes, por largos períodos de tempo.
Mas voltando às palmas. Eram interditas até em igrejas. Agora não.
Porque exteriorizar sentimentos já não é “pecado”.
De qualquer forma, prefiro bater palmas aos vivos. Acreditando ou não que depois de mortos as possam ouvir.
Pois por muito seguros que sejamos, por muita modéstia que nos paute a personalidade sabe bem que um único espectador que seja, calado, nos diga: estives-te bem.
Porque amar é aplaudir. Por muito estridente, até estranho, que lhe pareça.
É só a minha opinião.
VDM
 
Convenceu-me este VDM! Vou já pra casa aplaudir a minha mulher, os meus filhos, a família, os amigos.
Nunca mais vou bater palmas da mesma maneira!
Espreitar blogs até nos pode mudar o carácter, JPF...
 
VDM: temos pontos de vista diferentes.

Só um esclarecimento: não disse que a Morte é uma derrota. Não fui sentencioso aí, não é uma opinião minha.
Disse, quis dizer, que numa sociedade que apela insistemente a coisas como o Sucesso, o Êxito, a Imagem, a Beleza, a "Eterna" Juventude, etc, etc, a Morte é a prova de que, afinal, tudo acaba mesmo. É nesse sentido a derrota.

Apareça sempre.
 
Apenas para dizer, com o Funes, que a gente do teatro de revista, mas também o próprio teatro de revista é a coisa mais putrefacta da sociedade portuguesa.
 
Uma nota e uma perplexidade:

1: a nota - A frase exacta que o Sr. Benvindo Minhocas me atribui era: "se a humanidade se visse, de um momento para o outro, privada do teatro de revista, nada sentiria".
Embora a tenha citado realmente, a dita frase, não é minha. Li-a num jornal qualquer e já esqueci quem é o seu autor. De resto, não a subscrevo. Por mim, se o teatro de revista desaparecesse a humanidade sentiria logo uma enorme melhoria na qualidade do ambiente. Desapareceria o cheiro da putrefacção que Aristóteles pertinentemente menciona.

2: a perplexidade
"... entendo que as palmas são uma manifestação de agrado para qualquer mortal de qualquer idade."
Devo interpretar esta frase de VDM no sentido que se deve bater palmas quando, depois de uma relação sexual plena, os envolvidos atingem um ou vários orgasmos gloriosos?
 
O Funes é mesmo um parvo ou gosta de armar em palhaço culto?
 
Se calhar sou as duas coisas, mas não sou covarde. Quando digo parvoíces ou faço palhaçadas não me escondo atrás de um envergonhado anonimato.
 
muito bem, funes, no entanto até acho que não se deve responder a estes merdas que não assinam!
é uma fajutice, pois não temos hipotese de ir assobiar para o enterro deles. but who cares??
 
já agora, a gente do teatro de revista é da coisa mais desprezível que há, mas era coisa exclusiva de lisboetas.
com a triste morte do teatro de revista deram emprego na TV, principalmente com I, a esta gentalha. ou seja, a tristeza de uma inteira mouraria transformou-se na tristeza de todo um portugal.
 
RPS: não partilhamos o mesmo ponto de de vista mas comopreendo-o. Continue postando. Obrigada

Funes, o memorioso:
Disse para qualquer mortal...não disse em qualquer situação. Mas achei graça à sua perplexidade e vou responder-lhe o obvio:
Tal sessão, em princípio, não se agradece e, a melhor retribuição, se para ela houver lugar, é repetir o feito.
Por outro lado, entendo que,tal como no fado,também aqui, o silêncio é a segunda melhor manifestação do tal "estives-te" bem (no plural, claro.)
VDM
 
"estives-te"?
 
Estiveste. Perdão.
 
Aqui então é que não me entendo. É preciso mesmo pensar.
Mas porque é que não podemos bater palmas quando nos apetece?
Assim é melhor. E não se pensa mais nisso.

Leila
 
desculpa a intromissao mas andava a fazer um trabalho sobre teatro e vim parar ao teu blog, em primeiro lugar os parabens esta muito bom. mas quem é esta ave rara do funes, ele sabe la o que é teatro de revista, bate.se palmas a um artista falecido porque é tradiçao no meio teatral. a salazar???? axas que se bate palmas a um ditador, NUNKA!!!
nao deves ser de lisboa de certeza.
e nao se fala nem se opina quando nao se sabe do k s esta a falar senhor "funes".

saudaçoes teatrais.
 
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