28.3.05
Bandeira
Quase seis da tarde. Letras grandes, das que impressionam pela relevância, brevidade e actualidade, agitam-me o ecrã.
Terramoto ao largo de Sumatra. 8.5 de magnitude. Richter ? Vamos perceber. Tsunami ?É bem possível.
Rodopiamos pelos corredores entre a redacção e os estúdios. Falamos com quem sabe ler gráficos tremidos. Com quem socorreu na zona. Com quem sentiu sapatos descolados do chão de Banda Aceh. A antena absorve, mastigando. A rádio tenta ser um monitor possível da crise.
Sabíamos das dificuldades telefónicas. E da madrugada que se desenhava nesse fuso que treme que Deus assusta.
Normal é o pedido de desculpas da Reuters Jakarta, num very polite "very busy".
Normais os gravadores de chamadas na ONU, na Cruz Vermelha, nas missões religiosas.
Mas no nosso ingénuo engenho, não colocaríamos a nossa máquina diplomática na lista das anormalidades. Pois demorou pouco tempo.
- A menina sabe que horas são ? É meia-noite. Ligue para o Ministério dos Negócios Estrangeiros.
E pumba. O diplomata de serviço em Banguecoque desligou a jornalista que queria saber se a costa estava a ser evacuada, quantos portugueses estão na Tailândia, ou uma caganita informativa como, porra, senhor funcionário, tremeu-lhe o rabo ou a gelatina não lhe chegou às socas ???
Vou abreviar nos palavrões e na eventual difamação, que é de facto tentação.
Direi apenas que por azar ou incompetência, os funcionários pagos pelo Orçamento Geral do Estado Português - cujo dever é usar de diplomacia em todas as diligências - foram mais uma vez apanhados.
O embaixador estava de férias. Que raio tem a Tailândia que não dá para passar dois períodos de férias consecutivos ?
O que ficou - que nos atendeu e que não quero sequer nomear - ficou a guardar a bandeira e a cozinheira, esta célebre por salvar a Pátria.
Os cadáveres de Phuket, esses montes de carne humana infecta que se amontoam sem BI, lá estão igualmente sem sinal dos oficiais portugueses. Os restos de gente também têm direito a nome e funeral.
Quem lá encontrou finalmente um traço de ente, afiou o dente para atacar a inexistente diplomacia portuguesa. A crer nos relatos, incapaz de viver com o nojo.E sem máscara para a tragédia.
Meia hora depois do senhor que nos atendeu ter informado a jornalista do excelso fuso horário do sismo, o serão animou-se com a promessa socialista de proceder a um levantamento dos portugueses na região. Foi o mesmo Ministério que nunca reconheceu que uma portuguesa tinha sido encontrada 3 meses após o desastre.
Em Banguecoque, nestas noites sem patrão, o Xanax pode adquirir-se em qualquer casario com bandeira à porta. As Necessidades são o que são. Mas nem tudo está perdido. Meia hora depois, já sabíamos de dezenas de portugueses na Tailândia. Pena que tenha sido o vice-cônsul de Macau a revelá-lo. Afinal podia escrever-se, à mão, uma carta com linhas direitas, com os pés assentes num chão de palmeiras demasiado tremelicantes.
Massajada. Banguecoque foi apenas e só massajada.
As almofadas tailandesas já não se impressionam muito. Já viram muito trote e galope.